Academia de Medicina da Bahia Scientia Nobilitat
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Juliano Moreira
Cadeira: 30
Patrono: Juliano Moreira
Patrono

Juliano Moreira nasceu no dia 6 de janeiro de 1872, na Freguesia da Sé, no centro de Salvador, Bahia (MEMORIAL PROFESSOR JULIANO MOREIRA, 2007), filho de Galdina Joaquina do Amaral e de Manuel do Carmo Moreira Junior. Seu pai era inspetor de iluminação pública e sua mãe trabalhava como doméstica na casa do médico e Professor Adriano Lima Gordilho, o Barão de Itapuã. O Barão, catedrático de Obstetrícia da FAMEB, logo o tomou como afilhado e garantiu os seus estudos no Colégio Pedro II e depois no Liceu Provincial. (PEIXOTO, 1933; PASSOS, 1975)

Precoce, Juliano Moreira ingressou em 1886, aos 14 anos de idade, na Faculdade de Medicina da Bahia, pois, com apenas 11 anos, em fevereiro de 1883, o estudante começou a ser aprovado nas matérias exigidas no Preparatório para ingressar em curso superior. No 1° ano do curso médico, num processo de adaptação, o adolescente teve um desempenho modesto, sendo aprovado em três matérias com a nota mais básica (“Simplesmente”) e uma reprovação, em Física Médica. (JACOBINA, 2019) Já no 2º ano, suas notas melhoraram (“Plenamente”) e, no 5° ano, em 1890, Juliano foi aprovado em concurso para Interno da Clínica Dermatológica e Sifilográfica. Formou-se em 1891 e teve sua tese inaugural, Etiologia da Syphilis Maligna Precoce, aprovada com louvor. Essa obra foi um preâmbulo do constante questionamento de Juliano sobre as desigualdades raciais, num tempo em que muitos médicos e outros estudiosos consideravam a raça negra inferior e a miscigenação causa de variadas doenças, inclusive da loucura.

Em 1893, torna-se Assistente da cadeira de Clínica Psiquiátrica e de Doenças Nervosas, quando inicia a sua jornada pelas doenças mentais. Em 15 de setembro do ano seguinte, após concurso, é nomeado Preparador de Anatomia Médico-cirúrgica da FMB e o preparo para tal concurso o levou à publicação do artigo Músculo acrômio-clavicular, na revista Brasil Médico. Nesse mesmo ano, no mês de novembro, é um dos responsáveis pela fundação da Sociedade de Medicina e Cirurgia da Bahia.

No ano seguinte, em 1895, participou da comissão que elaborou um relatório crítico sobre o Asilo São João de Deus, o qual, em 1936, passaria a levar o seu nome: Hospital Juliano Moreira. Nesse relatório, a comissão sugeriu a criação de um novo asilo concordante com a clínica psiquiátrica da época. Em meados de 1895, ele é o primeiro no país a descrever o botão endêmico ou “botão de Biskra” no Brasil, chamado hoje de leishmaniose cutâneo-mucosa (leishmaniose tegumentar americana). O primeiro trabalho de Juliano Moreira publicado fora do Brasil também foi pioneiro na Dermatologia: sua descrição de uma dermatose rara, a Hydroa vacciniforme, foi publicada pelo British Journal of Dermatology em 1895. Foram dele também os primeiros exames microscópicos feitos entre nós de casos de micetoma (aspergiloma pulmonar). Além disso, realizou o estudo anatomopatológico mais completo até hoje sobre Ainhum (Doença de Silva Lima), sendo essa monografia publicada em alemão e um dos trabalhos feitos por brasileiros mais citados por estrangeiros na época. (JACOBINA, 2019)

Mais tarde, em 1896, Juliano se candidata a lente substituto da 12ª seção, a cadeira de Moléstias Mentais e Nervosas, com a tese Discinesias arsenicaes, obtendo o primeiro lugar, após 15 notas máximas. As provas contaram com a presença de diversos estudantes sob a liderança dos sextanistas ‒ com destaque para Afrânio Peixoto ‒, que temiam uma decisão tendenciosa devido a membros da banca examinadora terem ainda simpatia pelo escravismo.

Foi então, aos 23 anos, que Juliano tornou-se professor concursado da Faculdade de Medicina da Bahia. Essa nova atribuição o faz viajar muito pela Europa, onde participou de importantes congressos, tanto da área de Dermatologia, com a qual ainda mantinha um vínculo, como também os de Psiquiatria. Em 1900, participou do Congresso Médico Internacional em Paris e no seguinte, mesmo ausente, foi eleito Presidente de Honra do IV Congresso Internacional de Assistência aos Alienados em Berlim. Representou a Medicina brasileira no Congresso Médico de Lisboa.

No início do século XX, ele se tornou o redator principal da Gazeta Médica da Bahia, principal publicação médica da Bahia e uma das mais importantes do Brasil, onde produziu inúmeros textos de resenha, artigos e editoriais. (JACOBINA; GELMAN, 2008)

Em 10 de novembro de 1902, ele se licenciou da Fameb e viajou à capital federal para participar do ato de embalsamento do cadáver do professor Manuel Victorino, médico, professor e político, Vice-presidente da República no governo de Prudente de Morais (1894-1898).

Já vivendo desde final de 1902 na Capital Federal, com a mediação decisiva de Afrânio Peixoto, colega, ex-aluno e discípulo, junto ao também baiano José Joaquim Seabra, ministro da Justiça e Negócios Interiores, onde ficavam os serviços de saúde na República Velha, Juliano Moreira foi nomeado Diretor do Hospital Nacional de Alienados em 25 de março de 1903.  A partir daí sua vida passou a ser mais ativa na capital do país. Uma das suas atitudes que chamaram muito a atenção foi que, pouco depois de assumir o cargo de diretor do Hospital, ele desistiu da sala destinada à direção, no segundo andar, e fez o seu gabinete de uma saleta no térreo, à esquerda da entrada principal do prédio, sempre de portas abertas, onde atendia a todos que o procuravam, sem agendamento ou hora marcada. (PASSOS, 1975)

Ele foi responsável por diversas transformações no modelo de atenção psiquiátrica da época, no Brasil. Até então, o Brasil fazia uma simples reprodução da atenção psiquiátrica da escola francesa, sem levar em consideração as diferenças culturais.

Juliano Moreira iniciou, então, uma reforma desse modelo, criando um modelo de atenção mais humano e adequado às características culturais do Brasil do início do século XX. Ele retirou as grades das janelas das enfermarias; aboliu os coletes e as camisas de força; criou o Pavilhão Seabra (amplo prédio que abrigava diversos equipamentos trazidos da Europa que auxiliavam no funcionamento de oficinas de “laborterapia”: carpintaria, marcenaria, tipografia e encadernação, sapataria, pintura etc.), onde os assistidos realizavam atividades que auxiliavam na recuperação e lhes traziam alguma renda; passou a implantar a música como terapêutica, nos corredores do hospital; tornou o hospital um centro cultural, trazendo professores, cientistas e trabalhadores; e implantou oficinas artísticas. Albert Einstein, em visita ao Brasil em 1925, quebrou o protocolo e aceitou o convite de Juliano Moreira para ir ao Hospital Nacional. Foi recebido com discurso na Academia Brasileira de Ciências e ficou impressionado com as oficinas terapêuticas para os alienados. (JACOBINA, 2019)

Em 1905, ao lado de Afrânio Peixoto e outros colegas, ele fundou os Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins. No ano seguinte, instalou a seção de laboratório no hospital, dando início às primeiras punções lombares e aos primeiros exames citológicos de líquido céfalo-raquidiano para fins diagnósticos em casos de tabes dorsalis, demência paralítica, sífilis cerebral e meningites várias.

Em Lisboa, representou o Brasil no Congresso de Medicina de Portugal, criando amizade com o Professor Júlio Xavier de Matos, fundador do ensino oficial de Psiquiatria em Portugal.  Em 1907, na cidade de Milão, no Congresso de Assistência a Alienados, foi eleito Presidente Honorário e indicado pela maioria dos congressistas para ser o orador na sessão de encerramento. Nesse mesmo ano, passou também a fazer parte do Instituto Internacional para o Estudo da Etiologia e Profilaxia das Doenças Mentais. Representou, em 1909, o Brasil, no Comitê Internacional contra a Epilepsia em Viena. Logo depois, na Inglaterra, participou da Assembleia Geral da Royal-Medical Psychological Association de Londres, onde foi eleito um dos 15 membros correspondentes no mundo.

A Revista Psychiatrische, Neurologische Wochenschrift (nº. 27), de 3 de outubro de 1910, publicou a galeria dos proeminentes psiquiatras em todo o mundo. Somente Juliano Moreira representou as Américas. Desde 1913, ele passou a representar o Brasil no Comitê Internacional da Liga Internacional contra a Epilepsia. Naquele período, foi realizado o Congresso Jubilar da Société de Médecine Mentale da Bélgica, em que foi aclamado membro honorário daquela Sociedade. No ano de 1918, foi membro organizador do Congresso Internacional de Medicina em Budapeste para tratar da questão das doenças mentais e nervosas produzidas pela arteriosclerose. Participou da Conferência Internacional para o estudo da Lepra na Noruega, recebendo do sábio leprólogo Hansen (que batiza o nome da doença no Brasil) a incumbência de tratar da questão das doenças mentais nos leprosos, sendo posteriormente publicados seus estudos no Zeitschrift fur Psychiatrie, na Alemanha.

Outra realização pioneira de Juliano Moreira foi conseguir apoio do governo para implantar, em 1921, o primeiro manicômio judiciário do continente americano.  Em 1922, foi eleito membro do Comitê Internacional de Redação da Folia Neurologica, um importante órgão de Amsterdã para estudos de biologia do sistema nervoso. Devido a sua conduta ética, seu incansável trabalho e sua atuação em muitas áreas do conhecimento, foi eleito membro de diversas organizações médicas em Munique, Berlim, Paris, Buenos Aires, Nova York; além de outras instituições de Ciências e Letras. Presidiu os Congressos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal, de 1906 a 1922, e foi Presidente de Honra da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina.

Em julho de 1928, começou uma longa viagem visitando Tóquio e mais cinco cidades do Japão. Em solenidade no anfiteatro do Diário Nishi-Nishi, recebeu a insígnia da Ordem do Tesouro Sagrado, entregue pelo Imperador do Japão e destinada aos “consagrados da ciência mundial”. Isto devido também à sua intensiva luta contra o preconceito e a discriminação que, a este ponto da história, era também direcionada aos imigrantes sino-japoneses que desembarcavam no Brasil, sofrendo diversos tipos de preconceito, sendo inclusive chamados de “ameaça amarela”. Depois, seguiu para a Europa, onde se tornou membro honorário da Sociedade de Neurologia e Psiquiatria de Berlim, da Sociedade Médica de Munique e da Cruz Vermelha Alemã. Em Hamburgo, foi eleito membro da Sociedade de Neurologia e Psiquiatria, onde lhe foi conferido, pela Universidade local, a Medalha de Ouro, a mais alta honraria prestada a professor estrangeiro.

Em 1929, já muito debilitado devido à tuberculose crônica, presidiu, no Rio de Janeiro, a Conferência Internacional de Psiquiatria e, em 8 de dezembro de 1930, com as mudanças políticas, foi destituído da direção do hospital e aposentado.

No dia 2 de maio de 1933, num Sanatório em Correias, no interior do Rio de Janeiro, o baiano Juliano Moreira deixa escapar o último suspiro, mas, encantado, deixou para o mundo uma obra imorredoura.

Em 1936, o Hospital São João de Deus foi renomeado Hospital Juliano Moreira e, em 2002, a Fameb criou o Prêmio Prof. Juliano Moreira para o Formando com Destaque nas atividades de Extensão Universitária.

Juliano Moreira é o Patrono da Cadeira n. 30 da Academia de Medicina da Bahia Os Titulares anteriores da Cadeira foram Luiz Pinto de Carvalho, Plínio Garcez de Sena, Ruy Machado da Silva e o Titular atual é o confrade José Humberto Oliveira Campos.

Referências

JACOBINA, Ronaldo Ribeiro. Juliano Moreira: da Bahia para o mundo. A formação baiana de um intelectual de múltiplos talentos. Salvador: Edufba, 2019.

JACOBINA, Ronaldo Ribeiro; GELMAN, Ester. Juliano Moreira e a Gazeta Médica da Bahia. História, Ciência e Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 1077-1097, out.-dez. 2008.

MEMORIAL Professor Juliano Moreira. Juliano Moreira: O mestre / A instituição. Salvador: EGBA / Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, 2007.

PASSOS, Alexandre. Juliano Moreira (vida e obra). Rio de Janeiro: Livraria São José, 1975.

PEIXOTO, Afrânio. Um sábio mestre e amigo. Arquivos Brasileiros de Medicina, Rio de Janeiro, v. 23, p. 179-196, 1933.

 

Ronaldo Ribeiro Jacobina.
Titular da Cadeira nº 29 da Academia de Medicina da Bahia.
 Professor Titular de Medicina Preventiva e Social, FAMEB-UFBA.

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