Academia de Medicina da Bahia Scientia Nobilitat
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Jorge Cerqueira
Jorge Cerqueira
Membro Titular
14/07/2021
16:00
Discurso de Jorge Cerqueira, em homenagem póstuma ao Prof. Urcicio Santiago na solenidade alusiva aos 63 anos de fundação da Academia de Medicina da Bahia.

Quero louvar os varões virtuosos e as suas obras, para que suas memórias permaneçam eternamente. (Eclesiastes, cap. 44, versículos de 01 a 13).

Acadêmico URCÍCIO SANTIAGO – UM DESBRAVADOR

Hoje, no dia em que comemoramos os 63 anos de existência da nossa excelsa Academia de Medicina, é oportuno que celebremos um dos seus fundadores e operoso Presidente, Professor Urcício Santiago.

Nascido a 5 de agosto de 1914, em Salvador, era filho do senhor Miguel Santiago e de Dona Lourdes Andrade Santiago.

Sua educação teve início com o então chamado Curso Primário, em escola pública do Distrito da Sé. Aluno aplicado, recebeu o certificado de término, com louvor, após submeter-se a provas, realizadas na Escola de Belas Artes.

O curso ginasial começou no tradicional Colégio Carneiro Ribeiro, do médico, e grande filólogo Professor Ernesto Carneiro Ribeiro.

Transferido para o Ginásio da Bahia, onde conheceu grandes mestres, tendo colado grau de Bacharel em Ciências e Letras, em 1931. Durante o período em que foi aluno do tradicional Ginásio, hoje Colégio da Bahia, para ajudar os pais, ensinava inglês aos colegas.

Demonstrando seus pendores para as letras escrevia no Jornal “O Cenáculo” e ali também aflorava seu espírito de liderança, participando do Grêmio do Ginásio.

Aos 16 anos, aprovado no Exame Vestibular, ingressa Urcício como há muito sonhado, na Primaz Faculdade de Medicina.

Durante o curso deixou bem evidente para os mestres a sua inteligência, o entusiasmo pela medicina, seu instinto perqueridor.

Agregador, fez amizade com os colegas de turma, dentre eles, Ofélia Brito, Tripoli Gaudenzi, José Raimundo Castro Lima de Athayde, Jorge Leocádio de Oliveira, Elsior Joelvisor Coutinho, Paulo Duarte Guimarães e vários outros que também se destacaram no exercício da profissão e no Magistério.

Estagiou nos serviços de alguns grandes mestres da medicina, alguns deles ainda alcançados por nossa geração: Armando Sampaio Tavares, Martagão Gesteira e César de Araújo, no Dispensário Ramiro de Azevedo.

Durante esse tempo, já se destacava pelos trabalhos de pesquisa, pronunciando palestras em diversas instituições, como no Asilo dos Expostos, na Clínica do Professor Bráulio Xavier, e na Sociedade Acadêmica Alfredo Britto, apresentando o trabalho “Tuberculose nos Velhos”.

Interessado por tudo que dissesse respeito à Saúde da população, participava de movimentos como a Campanha Antituberculose de 1935 e 1936.

Em 5 de dezembro de 1936, fazendo parte da 120ª turma, o grande dia – colou grau em Medicina.

Logo assumiu as funções de médico da Caixa Econômica Federal, aprovado que fora em concurso.

Por essa época, começa a colaborar com revistas científicas e jornais leigos, como a Revista Médica da Bahia, o Jornal Acadêmico, o Diário da Bahia, Diário de Notícias, e outros.

Mesmo tão ligado às letras e à ciência, o jovem Urcício encontra tempo para o coração e, aos 22 anos, casa-se com dona Leonor Andrade Santiago, companheira dedicada por toda sua vida, tendo com ela uma filha, Maria Lúcia, sobre quem ouvi várias vezes, o professor, pronunciar palavras de carinho e orgulho.

A filha, embora adorasse o pai e muito se orgulhasse da sua trajetória, preferiu o Direito à Medicina.

Em 1940, aos 26 anos, Urcício ingressa no Serviço Público do Estado e é designado para o Posto de Higiene da Cidade de Castro Alves.

Sobre isso ele contava, com muita graça, que para ali se dirigira cheio de planos, de esperanças de enfrentar com sucesso, as prováveis endemias. Entretanto, as pessoas, por vários dias, não procuravam o Posto. Percebeu que a cidade, ao crepúsculo era invadida por grande número de mosquitos e que, então, concluíra: a comunidade estava ansiosa não por um médico, mas por um mata-mosquito. Decidiu empenhar-se no combate à praga que tanto castigava a população. Estudou muito, leu livros, revistas, orientações da Secretaria de Educação e Saúde e, pôs-se a campo, logrando, em alguns meses, livrar a cidade dos mosquitos. Reconhecida, a população de Castro Alves não mais o deixou, procurando-o com frequência em busca do tratamento dos seus males. Estava decidido: haveria de se dedicar ao sanitarismo.

Durante o tempo que ali permaneceu, tornou-se amigo e conselheiro da comunidade à qual tomou amor, expressado em inspirados versos, anos mais tarde.

A partir daí, tem início a carreira do desbravador.

Frequenta cursos de Saúde Pública: sobre tuberculose (do professor Clementino Fraga), de Radiologia (do professor Manoel de Abreu) e muitos outros, ávido por conhecimentos.

Aprovado em concurso, como sempre com brilho, para o serviço de Tuberculose do então Hospital Santa Terezinha, hoje Otávio Mangabeira, passou a dedicar-se inteiramente às doenças infecciosas, consequentemente à Medicina preventiva.

Frequenta vários cursos de Saúde Pública e, aprovado em todas as matérias, obtém o diploma de Sanitarista no Instituto Manguinhos, em 1943. Um ano depois é aprovado no Curso de Organização e Administração Sanitária, do Departamento Nacional de Saúde, no Rio de Janeiro.

Aqui na Bahia, já reconhecido como Sanitarista de excelência, tem início sua ascensão. Nomeado sucessivamente para Chefe de Serviço de Saúde do Interior, Diretor geral do Departamento de Saúde, chegando a Secretário de Educação e Saúde. A partir daí, a águia, no dizer do Professor Geraldo Leite, alça vôo.

Em 1944 Urcício vai realizar o curso de Saúde Pública, na Universidade de Harvard, em Boston, Estados Unidos, obtendo o título de Mestre em Saúde Pública.

Ainda encontrou tempo e muita disposição para estagiar no Peter Bent Brigham Hospital, no Departamento de Saúde de Massachusetts e para frequentar o curso de Venereologia do Professor Walter Clarke.

Em 1947, no Brasil, é nomeado pelo Governo Federal Superintendente da Campanha contra Doenças Venéreas, acumulando com a Chefia de Serviço no Departamento de Saúde da Bahia.

Desdobra-se ensinando em cursos, dando palestras e entrevistas, escrevendo artigos, divulgando noções de prevenção de doenças também para os leigos.

De volta aos Estados Unidos, em 1949, estagia no Marine Hospital, Serviço do Professor Jonh Mahoney e no Bellevue Hospital, serviço do Prof. Evan Thomas.

Por esse tempo consegue realizar o plano que concebera, junto a outros notáveis mestres baianos, funda a Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, em 1953.

Torna-se então, Professor Catedrático de Organização e Administração Sanitária do Curso de Saúde Pública e da Cadeira de Higiene do curso de Medicina. Foi também Diretor e Membro do Conselho Universitário da Universidade Católica do Salvador.

Prossegue o desbravador, planejando, fundando e dirigindo instituições médicas.

Em 1958, o Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins, ocupante da sua cadeira nº 3, de onde foi Diretor de Arquivo e Secretário Geral.

No mesmo ano junto a luminares da medicina bahiana, torna-se fundador desta Egrégia Academia de Medicina, da qual foi operoso membro, tendo ocupado a Vice-Presidência da primeira gestão e conduzido à Presidência da quinta diretoria.

Deixemos que ele mesmo nos conte como isto ocorreu.

“Quando retornamos da primeira viagem aos Estados Unidos, além do grau conferido pela Harvard, trazíamos uma porção de ideias e esperanças em favor da saúde da comunidade e de nossa cultura médica.

De quantos sonhos povoavam nossa mente de jovem idealista, sobressaía-se a de lutar pela criação de uma escola destinada ao preparo de sanitaristas.

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Outra ideia, não menos importante que a primeira do ponto de vista cultural, se propunha a criar uma Academia de Medicina, plenamente justificada por ter sido a Bahia o berço da medicina pátria, aqui se plantando o primeiro curso médico em terras do Brasil. Essa proposição logo empolgou vários dos colegas de nossa mais íntima convivência e que haviam apoiado antes o movimento em prol da escola, entre eles Antônio Simões, Jorge Valente, Santiago da Motta, Sousa Lima Machado, Ruy Maltez e Colombo Spínola que se mostraram inteiramente solidários”.

Depois de tecer considerações sobre as participações do Prof. João Garcez Fróes, de Jayme de Sá Meneses, José Ramos de Queiroz, prossegue ele:

“A sessão de fundação ocorreu no Hospital Santa Izabel, a 10 de julho de 1958, elegendo-se a diretoria e as comissões científicas. E a instalação foi realizada a 17 de outubro do mesmo ano, na Academia de Letras, representada em nosso quadro de fundadores pelos acadêmicos Pinto de Carvalho, João Garcez Fróes, Octávio Torres, Colombo Spínola, Magalhães Neto e Estácio de Lima. Foi uma cerimônia belíssima, empossando-se eleitos perante numerosa e seleta assistência”.

A propósito do desempenho do Professor Urcício na Presidência da Academia, Acadêmico Raymundo Nonato de Almeida Gouveia, em 1974, falando em nome dos noveis acadêmicos Walter Afonso de Carvalho, Adroaldo Albergaria e Antônio Jesuíno dos Santos Netto, assim disse: “Urcício Santiago, sanitarista de grande mérito e figura da mais alta expressão moral e cultural, tem dado a esta Academia plena dedicação, e lhe tem sido um dos seus pilares de sustentação. Muito deve a Academia a seu ex-Presidente, por tanto que a tem difundido e propagado, fora do nosso Estado, e porque soube dirigi-la com dignidade, entusiasmo, respeito, zelo e crédito”.

O Professor ainda foi, na Secretaria de Saúde de Salvador, em 1959, Diretor do Departamento Municipal de Saúde.

Representou a Bahia em muitos conclaves nacionais e internacionais.

Urcício idealista, inquieto, ainda ajudou a fundar: o Instituto Brasileiro de Medicina Preventiva, a Fundação Bahiana para o Desenvolvimento da Medicina, a Liga Saúde Pró-Maternidade. Membro ativo da Sociedade de Médicos Escritores (SOBRAMES).

Publicou vários trabalhos científicos: A respeito da Vacinação Sabin, Do Tratamento de Sífilis pela penicilina, Novas Perspectivas da Educação Médica, dentre outros.

Embora desde minha infância, nos anos 40, conhecesse o Dr. Urcício Santiago, - nosso vizinho, sempre referido por meu pai como homem de muitos méritos, - somente tive oportunidade de me aproximar em 1974, quando assumi a Chefia do Serviço Médico, encarregado de avaliar a saúde e aptidão de motoristas. Ao ler um seu artigo publicado no Jornal a Tarde, tratando da Epidemiologia do Acidente do Tráfego, procurei-o falando-lhe do meu interesse sobre o tema. Logo, como sempre, associa-se, com entusiasmo pela possibilidade de fundação de uma Associação Brasileira de Medicina do Tráfego, passando a me orientar, colocando-me como Colaborador Voluntário da sua Cadeira de Higiene e Medicina Preventiva, na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.

Foi então quando pude conhecer o homem e constatar a sua grandeza.

Fui um dos fundadores da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (ABRAMET) e o seu 1º Vice-Presidente. Sempre orientado pelo mestre querido. Dele recebi muitas lições além da Medicina de Tráfego.

Lembro-me do seu cuidado com a língua portuguesa, das suas preciosas participações nos nossos Encontros, com palestras contendo reflexões muito úteis para os médicos da ABRAMET e das suas aulas de higiene para os alunos da Bahiana.

Fui honrado com o privilégio da sua amizade, feliz por ter podido constatar a beleza da sua vida pessoal, ao lado de d. Leonor, esposa amada, e da sua filha querida, e muito grato por me ter franqueado acesso à sua biblioteca de importantes obras.

Encontrava-se no auge da sua atividade intelectual, escrevendo artigos, pronunciando palestras, quando, no dia 22 de julho de 1993, próximo a completar 79 anos, faleceu o mestre Urcício Santiago, vitimado pela rotura de um aneurisma de aorta abdominal.

Perdiam assim, a Academia, diversas instituições médicas, a Medicina Bahiana, a própria Bahia, o grande sanitarista, administrador da saúde, cientista, professor, homem de letras, o médico, o desbravador, cuja trajetória de vida deve ser exaltada para exemplo dos pósteros.

Salvador, 14 de julho de 2021.

Acadêmico Jorge Cerqueira
Ocupante da Cadeira número oito

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