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17h00

Entrevista com o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Entrevista concedida pelo Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (Lhm) ao Acadêmico Jorge Pereira (Jp)

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Entrevista com o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

JP. A Atenção Básica à Saúde é o pilar e deveria ser a porta de entrada da população à Rede de Atenção à Saúde. Quais as principais limitações estruturais, estratégicas e operacionais da Atenção Básica e quais as principais ações que o Ministério da Saúde pretende implementar para aperfeiçoar os programas de prevenção e promoção da saúde, e os fluxos de referência e contrarreferência com a rede hospitalar de média e alta complexidade?

LHM. A Atenção Básica é o caminho para reestruturação de toda a rede do Sistema Único de Saúde (SUS), com o fortalecimento das ações de promoção da saúde e prevenção de doenças. Por isso, estamos nos organizando internamente para a criação da Secretaria Nacional de Atenção Básica, que será o pilar do nosso sistema.
Hoje o maior problema que enfrentamos é a falta de informação, a falta de uma gestão minimamente informatizada dos serviços de saúde e de um prontuário eletrônico do paciente que nos permita integrar nacionalmente o controle das ações, tornando o atendimento mais eficiente. A partir de informações, conseguiremos sistematizá-las, planejar e construir uma gestão baseada em indicadores e organizar a rede de assistência de acordo com as necessidades da população, desde Atenção Básica à Média e Alta Complexidade. Quem não tem informação, não consegue gerir bem.

JP. Na sua análise, quais foram as principais limitações do Programa Mais Médicos e que modelo pretende implementar para promover melhor distribuição de médicos no País? Que atrativos serão criados para preservar o programa, considerando a formação do médico, sua remuneração, condições dignas de trabalho e políticas públicas de atualização profissional?

LHM. O programa Mais Médicos tinha um problema de princípio no que se refere à forma de contratação dos profissionais de saúde de Cuba. O resultado disso são cerca de dois mil médicos cubanos vítimas dessa importação, que hoje estão errantes dentro do país, em situação de apelo humanitário. Em fevereiro deste ano, conseguimos preencher todas essas 8.517 vagas deixadas pelos médicos cubanos apenas com brasileiros formados no país, cerca de 7 mil, e os demais brasileiros formados no exterior.
Agora, o Mais Médicos precisa ser devidamente analisado, auditado e passar por um diagnóstico profundo no que diz respeito à distribuição de vagas. Temos cidades com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) altíssimo, com faculdades de medicina, sem área de exclusão e a uma hora da capital do estado com 100% da Atenção Básica provida pelo Mais Médicos, enquanto cidades com população mais carente não tem nenhum. A primeira cidade a ser escolhida pelos médicos quando os cubanos saíram foi Brasília, a capital do país. Precisamos rever essa distribuição.
Também queremos trabalhar com uma carreira para a saúde pública brasileira. Mas o nosso país é assimétrico pelas dimensões continentais e precisamos considerar essa diversidade do território brasileiro, de Norte a Sul, na perspectiva dos 5.570 municípios. Já iniciamos essa construção junto com entidades e associações médicas para discussão de uma proposta no âmbito da Atenção Primária, sobretudo, em áreas de difícil provimento, como alternativa para a fixação de profissionais nessas áreas.

JP. Considerando os médicos brasileiros recém-graduados e residentes no Brasil e os médicos brasileiros e estrangeiros graduados e residentes em outros países, haverá uniformidade nos critérios de proficiência empregados para atuarem no Brasil ou serão aplicados critérios distintos?

LHM. É uma discussão que precisamos fazer. Nós vamos formar em breve, só no Brasil, 35 mil médicos por ano, 350 mil por década, e como a vida útil desse profissional é de quatro décadas, vamos estabilizar em 1,5 milhão de médicos. Precisamos refletir como vamos fazer a avaliação desse médico, considerando as faculdades de Medicina nas fronteiras do Paraguai e da Bolívia com o Brasil, onde temos algo em torno de 100 a 120 mil brasileiros formados ou formandos que poderão ter livre trânsito nos países do Mercosul por conta de acordos do bloco. A solução em diversas partes do mundo, como a União Europeia, foi optar pelas certificadoras internacionais. Pode ser uma maneira de antecipar essa discussão no Mercosul, ver quais faculdades se submetem ao mesmo padrão de certificação. Pelo menos uma parte do problema, que é a formação, estaria organizada.

 JP. Qual a sua visão quanto ao aumento explosivo do número de escolas médicas no Brasil - e/ou da ampliação desenfreada do número de vagas -, muitas delas deficientes e sem campo de treinamento prático adequado. Será que as escolas médicas estão formando profissionais adequados às necessidades da população? Como aperfeiçoar o modelo atual de monitoramento qualitativo e quantitativo do aparelho formador? Como os Ministérios da Saúde e da Educação poderão promover ações conjuntas, integradas e de cooperação mútua, em prol da formação dos médicos no País?

LHM. É fundamental a sustentabilidade da política de formação médica no país por meio do ensino de qualidade. Medicina não se ensina por atacado. Aprende-se observando o comportamento dos mestres, lendo muitos livros, por repetição, e jamais, em hipótese alguma, aceitando verdades absolutas. Nós precisamos questionar tudo e estarmos amparados no que a ciência diz. Essa formação é fundamental para o bom exercício da medicina.
O que vimos ao longo dos anos foi um número recorde de faculdades abertas no país, muitas vezes, sem a estrutura necessária para oferta de um ensino de qualidade. De 2003 a 2018 foram criados mais de 178 novos cursos de medicina no país. O Ministério da Educação já está discutindo a reorientação da formação médica no Brasil, juntamente com o Conselho Federal de Medicina e associações médicas. E no que compete ao Ministério da Saúde também participamos dessas discussões para zelar pela boa formação médica.

JP. Que projetos de inovação tecnológica serão desenvolvidos e aplicados pelo Ministério da Saúde, nas áreas assistenciais e de gestão, a fim de permitir maior celeridade e eficiência na assistência à saúde da população? Haveria algum projeto para a criação de um banco de dados universal com prontuário eletrônico integrado?

LHM. Primeiro, precisamos resolver o problema da falta de informações. Conhecer, por exemplo, quem são as pessoas, quanto tempo e por que aguardam por atendimento com um médico especialista ou estão à espera de uma cirurgia é fundamental. A partir da informação, de forma transparente e pública, conseguiremos mudar a lógica de que “a oferta é essa, se adequem ao sistema” para organizarmos o sistema atendendo as reais necessidades e demandas da sociedade, tornando-o mais eficiente.
Por isso, a implantação do prontuário eletrônico do paciente é a primeira inovação tecnológica que precisa acontecer, no menor tempo possível. Hoje, já existe um processo de informatização em curso na Atenção Básica. Quase 21 mil Unidades Básicas de Saúde estão informatizadas e contam com prontuário eletrônico – cerca de metade do total de UBS existentes. Portanto, ainda temos um longo caminho pela frente na estruturação do melhor formato e no apoio à informatização de todo o SUS. Por isso, desde que assumi chamei o Datasus, que é o departamento de informática do Ministério da Saúde, para que nos ajude na construção de sistemas fortes, com capilaridade, para a consolidação do prontuário eletrônico que nos permita ter acesso a informações, porque gerir é medir, é métrica, é ir atrás de resultados diariamente e só conseguimos isso com informações.

JP. Como serão utilizados os recursos de informática como ferramentas de gestão no monitoramento dos indicadores qualitativos e quantitativos nas diversas instituições de saúde? Como o Ministério da Saúde pretende utilizar os sistemas de teleconferência, teleconsultas e de consultoria à distância? Como lidar com as fronteiras éticas e operacionais?

LHM. Como já disse, hoje faltam informações para o gerenciamento do SUS. A implantação de um prontuário eletrônico do paciente deve nos permitir, a partir da obtenção de informações, integrar nacionalmente o controle das ações, e construir indicadores efetivos de acompanhamento. Já contamos com aplicativos e plataformas, como o Meu DigiSUS (para pacientes) e o DigiSUS Gestor (para as secretarias de saúde) que pretendem centralizar o acesso às informações de saúde dos cidadãos e de indicadores de saúde, melhorando o acompanhamento das ações e metas.
Além disso, o SUS já conta, desde 2007, com o programa Telessaúde Redes para fortalecimento da Atenção Primária por meio de ferramentas de tecnologias da informação e comunicação em três eixos: Teleconsultoria (esclarecimento de dúvidas sobre procedimentos clínicos e regulação entre profissionais de saúde das UBS e especialistas), Tele-educação (atividades educacionais a distância, como cursos e webaulas) e telediagnóstico (realização de exames com emissão de laudo à distância).

JP. No que compete ao Ministério da Saúde, que estratégias serão desenvolvidas a fim de fomentar a pesquisa científica no Brasil?

LHM. Estamos em um novo momento no Ministério da Saúde, que inclui a evidência para tomada de decisão. A inovação, por meio da pesquisa, é imprescindível, mas deve ser pensada de forma sustentável. É necessário racionalizar o orçamento público e, para isso, na tomada de decisão, vamos incluir estudos de efetividade comparativa, ou seja, avaliar como as tecnologias incorporadas no SUS se comportam na vida real. Essas tecnologias possuem a mesma eficácia apresentada no momento da incorporação?
Uma das frentes é aplicar modelos de compartilhamento de risco com as indústrias. Essa é uma iniciativa crucial para dar sustentabilidade ao SUS, pois gera, a curto prazo, economia que poderá ser revertida em ampliação do acesso e em maior qualidade de atendimento aos cidadãos.
Fomentar a pesquisa científica é prioridade do Ministério da Saúde, mas esse foco não pode estar desconexo da realidade e das necessidades do SUS. Por isso, em janeiro, publicamos uma Agenda de Prioridades de Pesquisa do Ministério da Saúde, para alinhar as prioridades atuais de saúde às atividades de pesquisa científica, tecnológica e inovação e, com isso, conseguir direcionar recursos para investimentos em temas estratégicos para o SUS. São 172 linhas de pesquisa distribuídas em 14 eixos temáticos que pretendem gerar tecnologias efetivas, de baixo custo e aplicáveis as SUS, além de novas evidências científicas para fortalecer nossas políticas públicas
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JP. Haveria a intenção de o Ministério da Saúde acolher os anseios das entidades constituídas, representativas dos médicos, e retomar e liderar a Campanha pelo Ato Médico?

LHM. O projeto do Ato Médico foi discutido no Congresso Nacional por quase 11 anos, com audiências públicas que contaram com a participação de entidades representativas de profissionais da saúde. Em 2013, o Senado votou, por unanimidade, a lei do Ato Médico. Na sanção presidencial à época houve vetos que ressuscitaram fantasmas do início da discussão. Acredito que a saúde precisa estar unida, todos os seus trabalhadores. No Ministério da Saúde, estamos dispostos a discutir todos os assuntos que se mostrarem necessários para avançarmos na construção de bases sólidas para o SUS, incluindo a formação e atuação integrada dos profissionais de saúde. Já iniciamos o debate com alguns conselhos profissionais para propor a estas categorias que participem da construção coletiva de políticas públicas de saúde.

 JP. Que ações serão implementadas pelo Ministério da Saúde no sentido de conter o fenômeno desenfreado de judicialização da Medicina no País, sobretudo com relação às doenças raras, aos medicamentos e procedimentos de alto custo?

LHM. A judicialização do direito à saúde tem consumido cada vez mais parte importante do orçamento da União, de estados e municípios. Apenas no âmbito da União, gasta-se mais de R$ 1 bilhão ao ano para o cumprimento de decisões judiciais. As principais demandas são relacionadas a medicamentos, sobretudo para doenças raras, que representam mais de 90% do total gasto para atender a essas ações.
O atendimento de pacientes com doenças raras sem dúvida é um desafio para o SUS devido à complexidade. Muitas dessas doenças não possuem tratamento ou informações científicas e há necessidade de profissionais capacitados. Para orientar médicos e outros profissionais da saúde, o SUS já conta com 43 protocolos clínicos e de diretrizes terapêuticas com informações sobre diagnóstico, tratamento e reabilitação dos pacientes e disponibiliza 19 exames e 11 medicamentos – o tratamento da maior parte das doenças raras não fármacos. Para melhorar a assistência ofertada no SUS, as nossas áreas técnicas permanecem constantemente trabalhando na elaboração de novos protocolos de orientação ao cuidado desses pacientes.
Quanto à judicialização da saúde, o Ministério da Saúde mantém parcerias com o Judiciário para ajudar a qualificar as decisões dos magistrados em ações que abrangem à saúde. Entre essas ações está a disponibilização de um sistema que reúne notas e pareceres sobre evidências científicas de efetividade e segurança para diagnosticar e tratar doenças.

JP. Como o Ministério da Saúde pretende acolher a participação ativa das entidades médicas representativas nas decisões pragmáticas, quer em assuntos de interesse da Saúde Pública quer da Saúde Suplementar?

LHM. Esse é um governo com muita vontade de acertar em saúde e aberto ao diálogo. Queremos reaproximar e reconstruir pontes no Ministério da Saúde com a medicina, que está muito afastada, com associações médicas brasileiras, profissionais e conselhos de farmácia, enfermagem, psicólogos, a equipe da nutrição, assistência social, fisioterapia, terapia ocupacional, entre tantas outras especialidades. Em breve, a proposta é trazer também para dentro do Ministério da Saúde a educação física, o esporte comunitário, no âmbito da política contra a obesidade, hipertensão e doenças cardiovasculares, que são as principais causas de morte no país. A construção em busca de um SUS melhor é coletiva, com todos, em suas áreas de atuação, entendendo o que podemos fazer e onde devemos avançar.
 

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