Academia de Medicina da Bahia Scientia Nobilitat
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Ediriomar Peixoto Matos
Ediriomar Peixoto Matos
Cadeira 06
02/10/2018
20:00
Discurso de Posse na Academia de Medicina da Bahia de Ediriomar Peixoto Matos

Exmo. Sr. Professor Dr. Antônio Carlos Vieira Lopes
MD. Presidente da Academia de Medicina da Bahia
Confrades e Confreiras
Minhas Senhoras e Meus Senhores

Neste momento de grande felicidade, luto para que a emoção não neutralize as regiões intelectuais que julgam e pensam e que a fala não me venha a faltar.
Nesta sessão solene de 2 de outubro de 2018, assumo com muita honra a cadeira de número 6 desta Academia, a qual tem: o Prof. Anísio Circundes de Carvalho, patrono, Clínio Antônio Zacharias de Jesus Junior primeiro ocupante e o último ocupante, o Professor Geraldo Leite.
Segundo Rodolfo Pamplona Filho ao tomar posse na Academia de Letras Jurídicas da Bahia a tradição, quanto ao ritual,   determina uma saudação à memória do patrono da cadeira e à do último ocupante na sua titularidade, de maneira a demonstrar que a imortalidade formal significa, concretamente, a perpetuação da lembrança daqueles que, estando ou não em nosso meio, permanecem no nosso convívio ad aeternum, pela qualidade das inúmeras contribuições prestadas à cultura da sociedade. Seguirei o rito.
O patrono, Prof. Dr. Anísio Circundes de Carvalho, nasceu em Salvador a 30 de dezembro de 1856. Era filho do Comendador Dr. Herculano Circundes de Carvalho e de Dona Luiza Rosa Circundes.
Médico ilustre, cientista, admirador das artes e da economia do nosso país, sua geração foi precedida por grandes intelectuais, cuja atuação influenciou suas ideias. Refiro-me a Castro Alves, Ruy Barbosa, Torquato Bahia, Luiz Anselmo da Fonseca, J.J. Seabra, Urbano Duarte, Ana Altran, Felinto Bastos, Borges dos Reis, Braz do Amaral, Lopes Rodrigues, Xavier Marques, Amélia Rodrigues, Constâncio Alves, Nina Rodrigues, Carlos Chagas e Osvaldo Cruz.
Colou grau na Faculdade de Medicina da Bahia em 20 de dezembro de 1879, com a tese inaugural Constituição anatômica do cerebelo, onde descreveu, de maneira brilhante, os conhecimentos existentes à época sobre a referida estrutura. Demonstrou grande apreço pelas relações familiares, ao dedicá-la à memória de seu pai, confessou ter cumprido os compromissos com ele assumidos; à sua mãe, considerada a melhor do mundo, a suas irmãs e ao seu cunhado.
Ainda estudante do último ano do curso médico, no ano de 1879, foi designado diretor do Asylo São Joao de Deos, passando a diretor efetivo, em 1880, cargo que exerceu até 1882.
Durante sua gestão, defendeu e introduziu melhoras na estrutura física da instituição, implantou o sistema de portas abertas, solicitou a transferência de pessoas que maltratavam os internos e aumentou o quadro de funcionários e foi contra a utilização dos alienados em atividade sem compensação financeira. Sua gestão, pela excelência, é considerada um marco na Psiquiatria brasileira.
Devido a suas realizações, entrou em rota de colisão com o provedor da entidade, o que determinou sua saída da diretoria e levou à extinção da exigência de ser médico para ocupar a direção daquela instituição, que passou a ser gerida por leigos. Acredita-se que nesse episódio esteja a origem da deterioração do Asylo que, por sua vez, desencadeou a epidemia de beribéri em 1904, quando  participou de forma ativa dos debates para a solução, como podemos deduzir do relato de  Joelma Tito da Silva em  NINA RODRIGUES: “CIVILIZADO, BRASILEIRO E MÉDICO”: Rituais científicos e práticas intelectuais entre 1890 e 1906 (Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011)
Na carta de Anísio Carvalho, escrita em resposta aos artigos publicados pelo “Dr.Nina Rodrigues” no Jornal de Notícias, o professor da Faculdade de Medicina da Bahia é tratado como “distincto colega e amigo”, de “polida generosidade” e “espírito severo”. Nas páginas seguintes, crítico e irônico, Carvalho o acusa de produzir uma “ostentação luxuosa de erudição”, na medida em que alimentava a polêmica sobre a reforma do asilo, sem que ambos fossem designados pelos “poderes competentes” para “semelhante missão” (CARVALHO Apud: Idem, p.297-308) 


Para homenageá-lo, o hospital que substituiu o Asylo, denominado Juliano Moreira, enquanto existiu no bairro de Brotas, ostentou seu nome na entrada do pavilhão feminino. Pelos excelentes trabalhos ali realizados, ele é citado em posição de destaque, até os dias atuais, em teses de vários cursos de Pós-Graduação no Brasil e em trabalhos que abordam o tema relacionado à Psiquiatria e ao Asylo São Joao de Deos, dentre os quais destaco:
•    A prática psiquiátrica na Bahia 1874-1947, tese de doutorado do Prof. Ronaldo Jacobina, nosso confrade, defendida na Escola Nacional Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Osvaldo Cruz, do Rio de Janeiro, em 2001.
•    Aos loucos, os alienistas: médicos, família e justiça em Salvador (1874-1912), dissertação de mestrado em História, de Bruna Ismerin Silva Santos, defendida na Faculdade de Filosofia de Ciência Humanas, da Universidade Federal da Bahia, em 2009;
•    Nina Rodrigues: os náufragos do tempo e a esfinge do futuro, tese de doutorado em História, de Joelma Tito da Silva, defendida no Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal do Ceará, 2015;

•    O Asylo São Joao de Deos: as faces da loucura, tese de doutorado em História, de Venetia Durango Braga Rios, defendida no  Programa de Estudos Pós-graduados em História, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Em 1882, Anísio fez concurso para professor adjunto de Clínica Médica 2. Aprovado, dedica-se à assistência médica e à vida acadêmica; em 1888, faz concurso para lente catedrático de Pathologia Medica, com a tese denominada Anemia tropical. Nela, enfatiza que a interferência dos fatores socioeconômicos podem interferir desfavoravelmente nas manifestações e evolução das doenças, argumentando que “A falta de exercício é tão funesta quanto o excesso; a alimentação de má qualidade ou insuficiente e os fatores morais exercem uma ação deprimente sobre o organismo humano”. Mais adiante, complementa: “A doença pode atingir ainda no berço e em grau moderado; estes vivem pobres de sangue em meio de suas riquezas”; e fez um contraponto com a evolução desfavorável dos “Pacientes Pobres e em Atividades Braçais”, por apresentarem uma péssima evolução da doença. Aspectos ainda bem atuais!
Sagra-se catedrático com 31 anos de idade, foi o último lente contratado pelo Imperador, para a Faculdade de Medicina da Bahia.
Durante o seu tempo de docência, manteve com o corpo discente um relacionamento de respeito e admiração mútua, em decorrência do seu comportamento e da qualidade e beleza de suas aulas, o que pode ser ilustrado com os comentários feitos à definição de Littré sobre Medicina, em sua Lição inaugural do Curso Pathologia Médica (1890):
Littré, o grande sábio, inspirando-se talvez em Avicena, o árabe ilustre, [diz que] a medicina é a arte que tem por fim a conservação da saúde e cura das moléstias 
Entretanto, por me parecer muito restrita semelhante definição julgo do meu dever declarar-vos que as relações que a medicina entretém com um grande número de sciencias são tão estreitas, são tão intimas, que se torna mister traçar-vos as demarcações em que ella deixa de ser uma arte para começar a ser uma sciencia.
Identificado a [Jean] Fonssagrives creio que as artes não são mais que as ciências humanísticas, isto é, tendo perdido ao atravessarem o meio humano, os atributos de rigor abstrato e de inflexibilidade axiomatico, tornando-se então aptas a satisfazerem as necessidades intelectuais, moraes, estheticas e physicas do homem. Senhores, há uma sciencia das sombras, das perspectivas, das proporções, da luz e das cores, mas há uma arte da pintura; há uma sciencia das vibrações e dos sons, mas há uma arte da música.
As artes são deduções naturaes da sciencia nas aplicações práticas da vida, e sob este ponto de vista a medicina é uma arte; porém ella é também um conjunto de verdades demonstradas em várias ciências que se denominarão medicas, fundidas todas na pathologia, e neste caso a medicina será uma sciencia.

Mais adiante, defende, de forma enfática, uma verdadeira integração da Patologia com a Clínica e a Cirurgia no exercício da Medicina.
Segundo Eduardo de Sá Oliveira (1992, p. 343-344), durante a Guerra de Canudos, Anísio montou e dirigiu o Hospital de Jequitaia que atendia os feridos da guerra. Por sua eficiente atuação, recebeu honrosas referências, tanto por parte do diretor da Faculdade, o Professor Pacífico Pereira, como do chefe do corpo de saúde, Coronel Medeiros, além de todos os funcionários do Hospital.
É citado por Eusínio Lavigne (1955), em os Espiritualistas perante a paz e o marxismo ou a perfectibilidade do espírito, pelo socialismo, da seguinte maneira:
Se indignou publicamente dos excessos cometidos pelos soldados. Ainda nos recordamos do protesto da nossa Faculdade de Medicina através da veemência oratória de Anísio Circundes de Carvalho, Professor Ilustre, contra as barbaridades do nosso Exército, em Canudos,

A indignação de Anísio está expressa nos seus discursos de patriota, contra o uso das ‘Gravatas Vermelhas’, por oficiais e soldados: “Gravatas Vermelhas” queria dizer o “[...] degolamento à espada, dos jagunços aprisionados. Cenas horríveis contra os pobres fanáticos nossos irmãos que precisavam de pão, carinho e instrução e não de estupidez dos mantenedores da ordem pública”.
Com a finalização da Guerra de Canudos, segundo relato de Euclides da Cunha publicado no jornal Estado de São Paulo, com o nome de A nossa vendéia, participou de maneira diferenciada das solenidades de encerramento da guerra ao proferir, no dia 5 de outubro de 1897, uma oração na Faculdade de Medicina da Bahia que emocionou a todos; e no dia 6 de outubro, na sala da Congregação da Faculdade, na solenidade que foi colocada a pedra que representou a finalização de todas as atividades de Canudos, do mesmo modo, proferiu emocionado discurso que foi aplaudido por todos.
Volta a dedicar-se à vida acadêmica.
No ano de 1902, com a vacância da cátedra de Clínica Médica 1, pleiteou a sua transferência para a vaga deixada pelo Conselheiro Ramiro Afonso Monteiro; aprovada pela congregação, Anísio passa a catedrático dessa disciplina e a chefiar o respectivo laboratório, no Hospital Santa Izabel, em Salvador. Nessa transferência, venceu na congregação o lente catedrático de Propedêutica, ninguém menos que o eminente Professor Alfredo de Brito.
Ato contínuo, contratou Pirajá da Silva para seu assistente e sabedor do interesse deste pela pesquisa, designou que suas atividades fossem exercidas no laboratório de Clínica Médica 1, localizado no Hospital Santa Izabel da Santa Casa da Misericórdia, em Salvador.
Nesse mesmo ano, escolhido como Memorialista da Faculdade de Medicina, relatou as atividades desenvolvidas durante aquele ano, que reuniu em trabalho publicado em 1903.
Teve o reconhecimento de sua competência no meio acadêmico, por ter sido membro das seguintes Comissões:
•    Restauração da Faculdade de Medicina após o incêndio de 1905, que resultou inclusive na construção da biblioteca Gonçalo Muniz;
•    Redação dos termos do acordo da Faculdade de Medicina da Bahia com a Santa Casa de Misericórdia, para utilização do Hospital Santa Izabel como Centro de ensino e pesquisa pelos professores e alunos, resultando no texto aprovado pela congregação;
•    Coordenação das publicações da revista dos cursos médicos da Faculdade de Medicina da Bahia, em mais de uma ocasião.
Também pelo reconhecimento da sociedade veio ao ser indicado Presidente da comissão popular que recepcionou Ruy Barbosa na Bahia, em 1910.
Segundo Eduardo de Sá Oliveira, em Memórias históricas da Faculdade de Medicina de 1922 (p. 343-344), “Em 1906, em viagem de estudos a Europa para realizar o curso de Parasitologia Tropical, na London School of Tropical Medicine, [Anísio] recebeu do então Ministro J.J. Seabra a incumbência de observar a organização das Escolas de Medicina Tropical.”
“Ao retornar, escreveu o relatório Escola das moléstias tropicais, na França e Inglaterra, apresentando-o ao Diretor da Faculdade de Medicina e publicando-o na Revista dos Cursos de Medicina, no ano de 1907.” O conteúdo desse relatório, acredito, serviu de base para a organização e modernização, a partir da importação de material sofisticado, dos laboratórios que estavam sendo construídos pela Faculdade de Medicina no Hospital Santa Izabel, para as diversas disciplinas. “A partir dessa data, considerou de valor especial a contribuição das pesquisas laboratoriais para elucidação do juízo clínico, dando assim um real brilho ao ensino na Clínica Médica 1”.
“Foi um grande mestre e organizador da escola científica brasileira”, ao ponto de Pedro Calmon considerá-lo um dos principais cientistas de sua época.
Nesse período, passou a incentivar, ainda mais, Pirajá da Silva, seu primeiro assistente, a dar continuidade e a relatar seus trabalhos de pesquisa, resultando na descoberta do S. Mansoni em 1908, uma das glórias da Medicina brasileira.
Como pesquisador publicou ainda relatos de trabalho, como A propósito da esquistossomiase na Bahia, na Revista Brasil Médico.
Possibilitou o desenvolvimento de pesquisas de outros cientistas nos laboratórios da Clínica Médica, como pode ser confirmado na publicação na Revista dos Cursos da Faculdade de Medicina da Bahia, ano 1911-1912, por meio dos seguinte trabalho: Exames procedidos no Gabinete de Clínica Médica 1 e sinopse científica feita , de sua autoria, em que cita: trabalhos de Pirajá da Silva, a Schistosomose na Bahia, Terminação da existência da Amoeba Tetragena na Bahia, Leishmaniniose Cutânea na Bahia, As myases da Bahia. Ademais, refere-se, ainda, às pesquisas desenvolvidas por Augusto Vianna, Octavio Torres, Pedro Martins, João Solenidade e Alberto Mary Pinto.
Foi paraninfo por duas vezes e em um de seus discursos declara o seu patriotismo, ao dirigir-se aos recém-formados com as seguintes palavras:
Por isso, meus jovens collegas é que vosso obscuro paranympho entre os esmaecimentos ternos de saudade immorreidoira e a perspectiva doirada do porvir que vos aguarda, coloca de permeio a imagem querida da pátria brazileira, d’este fragmento de solo onde vertemos a primeira lágrima d’este pedaço de ceo estrellado d’onde bebemos a primeira luz.

Dentre seus alunos, que se transformaram em imortais, temos (1) Rita Lobato, primeira mulher a formar-se na Faculdade de Medicina e no Brasil, de cuja brilhante tese, intitulada O paralelo entre os métodos preconizados na operação cesariana, participou da revisão, o que contribuiu para a  aprovação com distinção. (2) Francisca Praguer Froes, de quem escreveu inclusive as memórias, em 1932, destaca o comportamento correto da aluna, chamando atenção para sua pontualidade, assiduidade e exercício do feminismo ostensivo após sua formatura, inserindo definitivamente seu nome na história deste movimento, como relata a historiadora Elisabeth Rago. (3) Afrânio Peixoto o cita pelas memoráveis aulas. (4) Gonçalo Muniz, cuja admiração ultrapassou os limites da vida estudantil, o escolheu para prefaciar seu livro, intitulado Considerações sobre a peste bubônica ( 1899); e no final do prefácio Anísio o aconselha a não prestar atenção às críticas desmerecidas e seguir em frente com o seu trabalho. (5) E Pirajá da Silva, que veio a ser seu primeiro assistente.
Aposentou-se em 1914, mas continuou prestando relevantes serviços à comunidade.
Fez parte da comissão que captou recursos e construiu o monumento existente na Praça Castro Alves, quitando uma dívida com o poeta que lutara de forma ostensiva pela abolição da escravatura. Foi o orador, em nome da comissão organizadora, na cerimônia de inauguração do monumento, em 6 de julho de 1923.
Em seu discurso, ao criticar o período da escravidão, defende a pluralidade e a diversidade, como se pode deduzir deste texto:
A vida para evolver progressivamente no organismo humano não prescinde da colaboração de todos elementos anatomicos, cada qual com o seu trabalho defferenciado para o synchronismo funcional. Semelhantemente no organismo social o desenvolvimento das sociedades realiza-se as custas da contribuição convergente de todas as atividades, scientificas, politicas, industriaes, artísticas, comerciaes e literareas as quais estabelecem as relações de mutualidades entre os homens num conjuncto harmonioso. 

Demonstra conhecer a obra de Castro Alves, ao entremear sua fala com trechos de Espuma flutuantes e de O povo ao poder, de uma maneira bela: “só me resta agora dizer a este grande povo”, ‘[...] pelo qual e com o qual vivera e sentira, gemera e cantara’, “o vade immortal, que finalmente, aqui na praça pública que é a sua residência, porque” . “[...] a praça é do povo como o ceo é do condor” . E prossegue, explicando o significado da postura da estátua: “Na atitude e tendo o mesmo gesto largo com que sabia dyalisar seus enthusiasmos de moço na alma das multidões electrizadas por sua eloquência soberana”.
Assim, perpetua, na mente da multidão presente e das gerações posteriores, o que se percebe ao visualizar o monumento pela primeira vez, característica esta já referida por Afrânio Peixoto e ressaltada por Afonso Pena Junior, em sua posse na Academia Brasileira de Letras, tal a eloquência e perfeição como falava.
Em 1935, Anísio biografa o Professor João Estanislau da Silva Lisboa, trabalho citado pelo excelente estudo da personalidade do biografado, no livro
•    A bala de ouro crime romântico, em 1947, com autoria de Pedro Calmon; e em 
•    Os gestos de interpretação nas formulações de Pedro Calmon com ênfase em a bala de ouro, tese de doutorado de Maria Neuma Mascarenhas Paes, do Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística, do Instituto de Letras, da Universidade Federal da Bahia, em 2009.
Em 1937, no livro jubilar do Professor Clementino Fraga, Questões a atuais de patologia e de clínica, Anísio escreve Jubileu de um cientista, em sua homenagem.
Em 1939, ao falecer Anísio Circundes de Carvalho, perdia o Brasil um dos maiores cientistas do seu tempo e nascia um imortal. Seu retrato orna, juntamente aos de seus pares, a sala da antiga congregação da Faculdade de Medicina da Bahia, no Terreiro de Jesus. É patrono da cadeira número 28, do Instituto da História da Medicina e Ciência Afins, fundado em 1943, e da cadeira número 6, da Academia de Medicina da Bahia, fundada em 1953, por inspiração de Jayme Sá Menezes.

Senhoras e Senhores acadêmicos
Minhas senhoras meus senhores
Continuando minha fala, apresentarei o panegírico do último ocupante da cadeira de número 6, o acadêmico emérito Prof. Dr. Geraldo Leite.
Os aspectos que aqui abordarei são por demais conhecidos de todos, pois o Professor Geraldo Leite tem uma trajetória de vida tão virtuosa e cheia de grandes e proveitosas realizações que beneficiaram a sociedade, de forma continuada. Ante essas evidências, limito-me aqui apenas a ressaltar os seus feitos.
Nascido em Aracaju, a 23 de abril de 1926, é filho único de João José Ferreira Leite, descendente do Barão de Abadia, e de Argentina da Costa Ferreira Leite, descendente do Barão de Timbó. Depois de alfabetizado, ficou doente, tendo aprendido a ler com o pai, que utilizou o livro Coração, de Edmundo de Amicis, até hoje seu livro de cabeceira. De seu pai assimilou lições de bom comportamento social, “[...] a partir dos seus erros”; e de sua mãe, “a partir dos erros dos outros”, tornando, assim, um homem fino. Não conheço pessoa que possa igualar-se a ele na fineza no trato social. São suas as palavras “A humildade é uma virtude que engrandece a espécie humana”.
Diplomou-se Bacharel em Ciências e Letras, pelo Colégio Tobias Barreto em Aracaju, em 1942. Ao chegar ao Colégio Marista em Salvador, em 1943, foi avaliado sendo sua matrícula feita para o segundo ano colegial; foi aprovado no vestibular da Faculdade de Medicina da Bahia em 1945. Viu nascer a Universidade da Bahia, em 1946, com Edgard Santos. Por todo o curso universitário se destacou entre seus colegas desde o primeiro ano. Foi eleito líder da turma sucessivamente, até o 4º ano, fundou o Grêmio Científico Osvaldo Cruz, cuja finalidade era produzir e distribuir as apostilas das aulas para os colegas de turma, aproximando-se de vários professores, merecendo relevo sua aproximação com o Professor Aristides Novis que inclusive corrigia as apostilas. Ganhou o prêmio Fernando Luz no ano de 1948, pelo melhor trabalho estudantil. Foi aluno de vários eminentes professores da época, de quem destaco o Professor Alexandre Leal Costa, da Terapêutica Clínica, que teve grande influência em sua vida acadêmica, após a formatura. Formou-se em Medicina em 1950, permanecendo em Salvador para finalizar o curso de Aperfeiçoamento em Doenças Tropicais, coordenado pelo Dr. Otavio Mangabeira Filho, na Fundação Gonçalo Muniz, que vinha fazendo paralelamente ao curso médico, desde o quarto ano; com 1600 horas de duração, visava formar profissionais de excelência em diversas áreas da Medicina, incluindo Parasitologia, Microbiologia e Patologia e outras. As aulas eram ministradas por professores famosos, como Samuel Pessoa e Otto Bier, dentre outros. Concluiu-o em maio de 1951, quando se transferiu para Feira de Santana – Bahia. Durante o curso na Fundação Gonçalo Muniz, decidiu-se por Patologia Clínica como sua área de atuação na Medicina. Em Feira de Santana, passou a trabalhar no Posto de Saúde Estadual e no seu laboratório particular. Fez parte da Sociedade de Medicina de Feira de Santana, foi seu Vice-Diretor e participou da Fundação da Associação Bahiana de Medicina Regional de Feira de Santana, em 1953, sendo escolhido como seu primeiro Presidente, cargo que exerceu até 1960. Durante sua gestão, implantou e coordenou um Programa de Educação Médica Continuada, com participação dos professores da Faculdade de Medicina da Bahia. Houve uma grande e favorável repercussão que levou a transformá-lo em Seminários Interregionais, com a participação de profissionais de outros municípios. Também por sua iniciativa, realizou o primeiro Congresso Médico da Bahia, em Feira de Santana. E foi um dos fundadores da Associação Cultural de Feira de Santana.

Por influência de Alberto Serravale, Urcicio Santiago, Alexandre Leal Costa e Aluízio Prata, e atendendo ao interesse próprio de abraçar a vida acadêmica, aos pouco foi se transferindo para Salvador. Ressalte-se que o maior interesse do Prof. Geraldo Leite era criar a Universidade de Feira de Santana. Os colegas Alberto Serravale e Urcicio Santiago acharam que para fundar a Universidade de Feira de Santana era preciso um convívio com os professores das Escolas Médicas em Salvador.
Já em Salvador, no ano de 1963, foi eleito Membro do Conselho Regional de Medicina, foi Vice-Presidente da Associação Bahiana de Medicina, membro e presidente da Comissão Científica, dedicando-se ao Programa de Educação Médica Continuada.
Por indicação do Professor Alexandre Leal, foi contratado como Professor Assistente das cadeiras de Higiene e de Parasitologia, da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública, em 1963, e Professor Auxiliar de Parasitologia, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, de onde pediu demissão em 1964, em decorrência da nova lei que proibia a acumulação de empregos públicos. Substituiu Alexandre Leal Costa na cadeira de Parasitologia na Escola Bahiana de Medicina, como Titular, deixando a cadeira de Higiene. Exerceu a titularidade de 1970 até 2001, quando se aposentou. Foi paraninfo da turma em 1986 e durante a sua fala prega a humildade e o amor ao paciente, no exercício da Medicina, chegando a afirmar que “durante os seis anos que passastes na nossa Escola, alegrando com as Vossas presenças o diuturno das nossas enfermarias e salas de aulas, esta foi a única lição que eu vos transmitirei” quanta  modéstia!.
Eleito por seus pares para o cargo de Diretor da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, cumpriu dois mandatos sucessivos, encerrados em 2001. Durante a sua gestão promoveu, sobre a coordenação geral do saudoso Prof. Humberto de Castro Lima e da Magnifica Reitora da Escola Bahiana de Medicina Professora Maria Luiza Soliani, uma reestruturação total do curso médico, iniciando a inserção da Escola no nível de excelência no ensino médico, o que de fato ocorreu.
Por indicação do Prof. Aluízio Prata, assumiu a coordenação geral do Inquérito Sorológico Escolar para o Diagnóstico da Doença de Chagas na Bahia e em Sergipe, em 1965, bem como realizou um estágio no Instituto Natural de Endemias Rurais, centro especializado em pesquisa, localizado em Belo Horizonte, considerado um dos melhores do Brasil. Retornou a Salvador em março de 1966.
A partir daí, lutou “a ferro e fogo”, segundo suas palavras, pela instalação da Universidade de Feira de Santana. Participou da comissão que elaborou o anteprojeto para a implantação da Fundação Universidade Feira de Santana, criada em 28 de novembro de 1969. Foi Membro do Conselho Diretor e eleito sucessivamente Presidente da Fundação até sua extinção; foi seu único presidente, quando foi criada a Universidade Estadual de Feira de Santana, sendo designado seu primeiro Reitor, em 27 de abril de 1976, cumprindo mandato até 1979. São suas as seguintes palavras: “Eu vi nascer e fiz nascer uma universidade, sou, portanto muito feliz”, “A imortalidade de uma pessoa é determinada pela persistência das coisas que criou em beneficio da sociedade”. A grandiosidade da realização dispensa novos adjetivos.
Ainda em Salvador organizou e chefiou o laboratório do Hospital Ana Nery, um dos mais equipados durante a sua gestão, e foi coordenador do INAMPS, na Bahia.
Em 1997, foi eleito para o Conselho de Curadores da Fundação José Silveira e, em 2010, passou à sua Presidência, cargo que exerce até o momento. Membro do Rotary Club de Feira de Santana por mais de 10 anos e hoje integra o Rotary Club da Bahia.
O Professor Geraldo Leite é membro de várias instituições, da quais destaco as seguintes:
•    Academia de Medicina da Bahia, titular da cadeira número 6, desde 1971, aceito com a apresentação do trabalho intitulado Higiene e Saúde Pública na Historia do Brasil. Nela foi escolhido orador oficial das comemorações dos 30 anos, É Membro Emérito desde 2016, com vários trabalhos publicados nos seus anais; e demonstra com veemência sua indignação com a nossa incapacidade de editar a Gazeta Médica, no trabalho Anos dourados da medicina bahiana (1998).
•    Academia de Cultura da Bahia, cadeira número 4, a entidade que criou o concurso, em 2011, de melhor vídeo com o seu nome para homenageá-lo;
•    Academia Bahiana de Educação;
•    Academia de Educação de Feira de Santana;
•    Academia de Letras de Feira de Santana;
•    Academia Brasileira Rotaria de Letras;
•    Academia Brasileira Rotaria de Letras da Bahia e seu atual presidente;
•    Academia de Letras, Ciências e Artes da Argentina;
•    Instituto Geográfico e Histórico da Bahia;
•    Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana;
•    Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins.
Devido a suas realizações, recebeu um grande número de homenagem, como se pode comprovar:
•    Título de Cidadão Honorário de Feira de Santana, concedido pela Câmara de Vereadores, e de Comendador da Ordem do Mérito de Feira de Santana, outorgado pelo prefeito;
•    Cidadão Honorário de Salvador, título concedido pela Câmara de Vereadores, a 9 de outubro de 1997;
•    Título Honorífico de Cidadão Bahiano, em agosto de 2016, concedido pela Assembleia Legislativa do Estado da Bahia;
•    Comendador Ordem do Mérito da Bahia, título concedido pelo Governo do Estado da Bahia.
Pelos relevantes serviços prestados à educação, à cultura e à Medicina de nosso Estado, foi agraciado com a Medalha Professor Dival Pitombo do Mérito Histórico e Cultural, conferida pelo Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana, e tornou-se Membro Benemérito da Federação das Academias de Letras e Artes da Bahia, da Faculdade Dois de Julho e da Faculdade Hélio Rocha, além de ser reconhecido Sócio Benemérito e Membro do Conselho Superior da Liga Álvaro Bahiana Contra a Mortalidade Infantil. Recebeu ainda a Medalha do Mérito Científico José Silveira, do Rotary Clube da Bahia.
O Professor Geraldo Leite vive e executa grandes realizações que beneficiam a sociedade de forma continuada, sem descumprir a promessa que fez a seu avô materno a quem chamava de “avô de ouro”, com quem morou durante seus primeiros anos de vida, segundo relata em seu livro Reminiscências: “nunca atropelar colegas e companheiros”.
Por seus estudos e seu trabalho incessante, transformou-se em um homem culto, amigo e admirador das obras de Jorge Amado, erudito nas ciências e nas letras, na Medicina, na Educação, na política e na administração, com grande capacidade de adaptação e de modificar a estratégias para obter os resultados almejados. Devido a suas importantes realizações na capital e no interior, vem ocupando amplo espaço em todas as atividades que desempenha, sobretudo nas intelectuais.
É citado ao lado dos escritores Mario Cabral e Benedito Cardoso, dos pintores Jenner Augusto e Jose Domer e do Prof. Luís Fernando Macedo Costa, por Jorge Amado, no livro Mistério Bahia de Todos os Santos, de 1986, como um dos ilustres de Bahia e Sergipe. Contudo, o Prof. Geraldo Leite é baiano, pois declarou seu amor à Bahia e, segundo Jorge Amado, “Baiano é quem ama a Bahia”
O Professor Geraldo Leite é autor de uns cem números de publicações, abordando o tema médicos ilustres da Bahia e Sergipe, disponível em seu blog, onde relata a trajetória de vida de inúmeros profissionais e a contribuição de cada um para o desenvolvimento da Medicina.
Publicou nos anais da Academia de Medicina da Bahia:
Aspectos ecológicos da patologia tropical brasileira (1982)
Paterson: um século (1983)
Adeus a José Santiago da Mota (1987)
Ensino médico na Bahia papel da Santa Casa de Misericórdia (1994)
Trinta e seis anos de academia (1994)
Sergipanos professores da Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus (1998)
Escola Bahiana de Medicina: 43 anos de serviços à comunidade (1998)
Saudação ao Hospital Santa Izabel nos seus primeiros 100 anos (1998)
No seu livro autobiográfico intitulado Reminiscências, publicado em 2009, relata suas lembranças e, ao final, escreve sobre a expectativa em relação aos seus dias: “Admitindo a hipótese do tempo de espera ser curto, muito curto, não mais me cabe senão me despedir do amável leitor”.
O Professor estava errado. Continua vivo e forte, efetuando realizações de extrema utilidade para a sociedade. Cito aqui o parágrafo final atribuído a Noel e citado por ele na conferência realizada em 2011 sobre o tema Cinco professores sergipanos da Faculdade de Medicina da Bahia: “Há uma rocha no meio do oceano e uma árvore em pleno deserto, impedindo que pássaros como estes pereçam em tão longos e impetuosos vôos!"
Afirmo aos Senhores que o Professor Geraldo Leite, cuja presença física resplandece entre nós, adquiriu a imortalidades ainda em vida, só obtida por homens superiores, sobre os quais Anísio Circundes de Carvalho, nosso patrono escreve:
A sua imagem ressurge no transcorrer das eras cada vez mais vultosa e radiante, sua memoria cada vez mais viva e aureolada, porque são os arautos do futuro, contemporâneos de civilizações ulteriores, para as quaes resolutamente devemos marchar, pharolisados por eles no terreno dos grandes ideaes humanos.

Agradeço a Professor Alex Guedes, por ter me convencido a apresentar  o trabalho a apreciação desta Academia e pela bonita e generosa saudação!
Agradeço aos eminentes professores, membros da Academia de Medicina da Bahia, todos com erudição e fluência, reconhecidas pela comunidade médica e científica brasileira, muitos professores a quem aprendi admirar pela excelência de suas aulas. Ainda lembro o teor de algumas delas, cujos docentes cito aqui: Almério de Souza Machado, Antônio Carlos Vieira Lopes, Antonio Natalino Mantas Dantas, Luís Erlon Araújo Rodrigues, Ernane Nelson Antunes Gusmão, Edvaldo Fahel, José Neiva Eulálio e Rodolfo dos Santos Teixeira  e o professor Gilson Feitosa, com quem tive o privilégio de fazer seis meses de internato em Clínica Médica, na enfermaria 2A, e participar das sessões de anátomo-clínica, no Hospital Edgard Santos, durante o ano 1977. Confesso aos senhores que ainda lembro do teor de alguns dos casos clínicos discutidos com o Professor, naquele período. Ademais, recordo de muitos colegas e contemporâneos, que aqui já se encontram, em decorrência do seu brilhantismo. Agradeço enfaticamente a todos por referendar meu nome para integrar este sodalício e afirmo saber que a condição de Titular da Academia de Medicina da Bahia traz consigo, além da honra de ocupar uma cadeira cujo patrono é um de nossos heróis médicos do passado, presente e futuro, uma grande responsabilidade e dever para com a comunidade médica e, sobretudo, com a sociedade, tendo em vista que os consensos e opiniões deste sodalício, divulgados e devidamente representados junto às demais entidades médicas, têm peso extraordinário. Em um mundo onde prima a inversão dos valores morais, éticos e culturais, a vitalidade desta Instituição é fundamental para preservar a nossa História - o bom exemplo, o modelo a ser seguido. Scientia nobilitat – O conhecimento enobrece. Em seu lema, a Academia de Medicina da Bahia traduz também a minha caminhada. Sinto-me maduro, preparado e confiante para exercer, junto aos colegas que integram este sodalício, as suas atividades, e contribuir para ampliar o alcance de seus desígnios. Sinto que este papel requer erudição, experiência acumulada na docência, na pesquisa, na atividade técnico-profissional e na administração. Requer, também, uma capacidade reflexiva sobre os fatos do dia a dia e da superação de problemas, desafios inesperados que surgem a qualquer instante, com serenidade e equilíbrio. Espero ser digno de suas melhores expectativas. 

Agradeço à minha companheira, Thais Titonel Abreu, pelo encorajamento, companheirismo, apoio, reflexões e o grande carinho; à minha filha, Bianca Ventresqui Matos, e ao meu neto, Heitor Matos Dort, pelo amor incondicional recíproco, a memoria de meus pais Ananias Maia Matos e Gedida Peixoto Matos pela vida e pela profissão, à meus irmãos Eliomar, Eclebismar (In memoriam) Elenilma e Edenilma Peixoto Matos pela harmonia familiar, aos Tios Inocêncio e Elizeu Maia Mattos, aos meus padrinhos Anastacio ( in memoriam) e Sabina(Silvia) Henking Nascimento por despertar em mim a vontade de ir além da assistência na atividade profissional, ao casal Joaquim (in memoriam) e Ligia Borges Nery em especial a seu filho Carlos Eduardo pela longa e proveitosa amizade que nos influenciou mutuamente e  muitos outros, muitos outros Deus sabe! 

Muito obrigado!
 

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