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Licia Maria Oliveira Moreira
Licia Maria Oliveira Moreira
Titular - Cadeira 17
19/09/2019
20:00
Discurso de Posse na Academia de Medicina da Bahia de Lícia Maria Oliveira Moreira

Discurso proferido por Dra. Licia Maria Oliveira Moreira, em 19 de setembro de 2019, na solenidade de posse na Academia de Medicina da Bahia, quando passou a ocupar a cadeira N° 17, que teve como patrono, Dr. Climério de Oliveira.

Professor Antonio Carlos Vieira Lopes

Ilmo. Presidente da Academia de Medicina da Bahia

Ao saudar o ilustre Presidente da Academia de Medicina da Bahia, estendo os cumprimentos aos componentes da mesa, às demais autoridades aqui presentes ou representadas, aos digníssimos confrades e confreiras, aos estimados colegas, familiares e queridos amigos.

Sinto-me privilegiada em estar aqui presente nesta cerimônia de posse da Cadeira de número 17, desta honrosa Academia, no Salão Nobre da nossa centenária Faculdade, que aprendi a amar e respeitar, quando aqui ingressei no curso médico. Este é mais um presente que Deus me proporciona.

Ocupar a cadeira 17, cujo Patrono é o Professor Climério de Oliveira foi outra dádiva que recebi e me deixou extremamente honrada, enquanto professora de Neonatologia, atuante na Maternidade que leva seu nome, construída graças ao seu enorme apoio e envolvimento .

Climério Cardoso de Oliveira nasceu na cidade de Salvador, em 10 de fevereiro de 1855, filho de D. Maria Virgínia Matos Cardoso e de Rodolfo Cardoso de Oliveira. Em 1872, após concluir seus estudos no Liceu Provincial, matriculou-se na Faculdade de Medicina da Bahia, aos 17 anos. Foi, por concurso, interno da Cadeira de Clínica Cirúrgica, formou-se pela Faculdade de Medicina em 1877, aos 22 anos de idade. Ainda estudante, já revelava seu talento artístico, tendo publicado diversas poesias na revista Instituto Acadêmico. Era um dos redatores do periódico mensal “O Incentivo”, cuja publicação durou cerca de um ano.

A sua tese doutoral foi Eclampsia. Em 1883, ocupou o lugar de Adjunto da Cadeira de Histologia.

Em 1885, mais uma vez através de concurso, tornou-se Lente da Cadeira da Clínica Obstétrica e Ginecológica, cuja tese foi Estudo genérico sobre a bossa sero-sanguínea e a deformação manifestada pelo feto.

Aquele concurso ficou marcado pelo excelente desempenho dos candidatos. Dr. Climério ficou colocado em segundo lugar, sendo nomeado pelo Imperador, que o escolheu entre os três primeiros colocados. Há relatos que a comunidade acadêmica não aprovou a escolha, havendo protestos de estudantes que ecoaram na mídia nacional da época. Entretanto, em razão da sua inteligência e eloquência, a rejeição inicial virou admiração.

Em 1897, aos 42 anos, escreveu a Memória Histórica da Faculdade de Medicina da Bahia. Neste mesmo ano, destacou-se como médico, ao assumir a direção de uma das enfermarias repletas de soldados feridos na Guerra de Canudos. Para tornar mais acessível a complexidade do conhecimento técnico de sua área, usava os seus dons artísticos, pois compunha versos com finalidade mnemônica, vários deles citados na memória histórica de Eduardo Oliveira (1992), entre os quais, destaca-se sua célebre descrição dos seis tempos do parto:

Diminui, se encurva e desce                                                            
Roda, distende, aparece
Avança, se estende e cai 
Gira, resvala e sai.

Seu talento artístico não ficou restrito à poesia. Escreveu peças de teatro, como “O bicho”, uma comédia composta de três atos, e “A Maternidade”, um drama com quatro atos.

Aos 33 anos casou-se com D. Teodolinda Sá de Oliveira, com quem teve os cinco filhos: Climerinda, Noêmia, Orlando , Edgard e Almir, sendo os dois últimos médicos. Almir seguiria os passos do pai, sendo também Professor Catedrático de Clínica Obstétrica.

Seu encantamento se deu na manhã de oito de abril de 1920, falecendo aos 65 anos de idade. A sociedade baiana recebeu com comoção a triste notícia. A Faculdade prestou moção de pesar em Congregação, e a Maternidade que ele lutou para que fosse construída e servisse ao ensino médico, teve oito dias de luto com saudades e profunda gratidão, àquele que protagonizou a luta em prol de sua fundação.

Ainda no final do século XIX, e inicio do século XX, em todas as classes sociais, a Medicina popular amparava os doentes, valendo-se de conhecimentos que atravessavam gerações, para minorar o sofrimento daqueles que padeciam.

A obstetrícia foi retardatária no ganho da confiança popular, pois esbarrava em uma delicada questão: o pudor.

A assistência às gestantes era atribuição de parteiras, mulheres legitimadas para este atendimento, que costumavam orientá-las, tratar de doenças sexualmente transmissíveis e, principalmente, fazer os partos. Além do preconceito, havia outro obstáculo que dificultava o manejo dos partos pelos médicos: a falta de uma enfermaria destinada a tal fim.

O ensino da Arte Obstétrica limitava-se então à teoria. Apenas em 1875 foi instalada uma enfermaria no Hospital de São Cristóvão (Hospital de Caridade) da Santa Casa, onde apesar do ganho social e acadêmico, as instalações funcionavam em condições lastimáveis. Ao assumir a cadeira de Clínica Obstétrica e Ginecológica, em 1885, o Dr. Climério de Oliveira presenciou o drama vivido pelas mulheres ali internadas.

Posteriormente, com a mudança para o Hospital Santa Izabel no bairro de Nazaré, conseguiu uma enfermaria em melhores condições, tendo havido avanço na assistência às gestantes. Esse pequeno ganho não arrefeceu seu ânimo de construir uma maternidade para a assistência e o ensino. Desde 1854 já se discutia a possibilidade de construção da maternidade, mas apenas em 1894 uma ação concreta foi tomada, por iniciativa do professor Pacífico Pereira, com a ajuda do irmão, Manuel Victorino, também professor da Faculdade e à época Senador , quando foi disponibilizada a primeira verba  pelo governo federal para tal fim.

Nove anos mais tarde, o professor Alfredo de Britto, diretor da Faculdade de Medicina da Bahia, firmou contrato com o Hospital Santa Izabel, que lhe cedera um terreno em suas imediações para a construção da Maternidade. Finalmente, as obras foram iniciadas em outubro de 1903. Apesar dos largos passos dados e verbas adquiridas, ainda não se dispunha de recursos financeiros para a empreitada. Parecia inevitável a interrupção das obras.

Nesse momento, a atuação de Dr. Climério de Oliveira fez-se imprescindível.

Sua mente inventiva somou-se à popularidade e simpatia junto à sociedade baiana para mobilizá-la. A ideia sensibilizou até as camadas mais abastadas, que adotaram a causa como uma questão social. Em 1903, juntamente com D. Maria Cerqueira Conde e D. Margarida Pedreira, fundou o Comitê de Senhoras, que reunia mulheres da sociedade, para montar estratégias de arrecadação de fundos. Entre elas, a mais consagrada foi a exibição de uma série de peças teatrais, cujo tema não poderia ser mais adequado: A Maternidade. Como já referido, o drama exibido no Teatro Politeama era de autoria do próprio Dr. Climério de Oliveira.

O governo estadual e o município também cederam verbas, além das contribuições espontâneas de muitos particulares. Os estudantes da Faculdade se uniram ao carismático mestre nesta nobre luta, arrecadando vultosa quantia em dinheiro. Então o que parecia impossível tornou-se realidade. Tratava-se de um estabelecimento de primeira linha, considerando os padrões da época, munido de aparelhagem moderna, escolhida pessoalmente pelo Dr. Climério. Após muitos esforços, e grande mobilização, em 30 de outubro de 1910 foi inaugurada em Salvador, a primeira maternidade-escola do país.

Indubitavelmente, uma obra construída por uma união de forças, um orgulho para seus idealizadores e para a sociedade baiana. Porém, acima de tudo, um inestimável bem humanitário à assistência e ao ensino.

O professor Ronaldo Ribeiro Jacobina, nosso grande memorialista, cita em Memória Histórica do Bicentenário da Faculdade de Medicina da Bahia (2008..).. “A Maternidade Climério de Oliveira é mais um exemplo eloquente, para a tese de Guimarães Rosa, de que “as pessoas não morrem, ficam encantadas”. O professor Climério de Oliveira está tão vivo, que o Prof. Antônio Carlos Vieira Lopes, há poucos anos, se fez representar no papel do mestre, em recepção aos calouros de medicina da FAMEB-UFBA, conforme testemunhado pelo   memorialista.

Portanto, a contribuição do Professor Climério de Oliveira à saúde da mulher e da criança foi de grande importância para o ensino e assistência. Temos, assim, que louvar e agradecer ao Dr. Climério.

O segundo ocupante da cadeira 17 foi o Dr. Adroaldo Soares Albergaria, filho do casal Alexandre Soares Albergaria e Iraídice Albergaria, que residia no bairro de Roma, na capital da Bahia. Perseguiu, desde criança, o sonho de ser médico. Com esse objetivo fez o curso ginasial, no prestigiado Ginásio da Bahia, e , em 1945, ingressou na Faculdade de Medicina.  

Sua vocação política foi despertada quando cursava a Faculdade, o que o levou a postos eletivos, tais como a presidência do Diretório Central dos Estudantes da UFBa, e a representação de sua série, em varias oportunidades. O mesmo foi eleito orador oficial, quando da conclusão do curso de Medicina, em 1950. O discurso proferido na solenidade, chamava  atenção para a figura do “antigo médico de família” e continha um apelo à solidariedade humana.

Uma vez formado, Adroaldo Albergaria serviu a instituições públicas e privadas com o maior devotamento e seriedade. Nunca  abandonou seu consultório, nele atendendo, diariamente, sua clientela.

Era um médico generalista, e ao contrário da maioria de seus colegas, atendia seus pacientes não apenas em seu consultório, mas em qualquer outro lugar, inclusive nas residências dos mesmos.

Para ele, o exercício da profissão era um apostolado, e, como tal, não tinha horário, nem endereço.

Prestou enorme contribuição às associações médicas e culturais, tais como à Academia de Medicina da Bahia, ao Instituto Baiano de História da Medicina e  a Sociedade Brasileira de Escritores Médicos- Regional da Bahia.

Atuou como Secretário Municipal da Saúde e Presidente do Instituto de Previdência dos Servidores Municipais.      

No início dos anos oitenta, no exercício desse último cargo, a morte o surpreendeu.

Em 1981, a cadeira 17 passou a ser ocupada pelo Prof. Alvaro Rubim de Pinho, um dos mais brilhantes professores desta Faculdade de Medicina. Nascido em Manaus, no dia 22 de fevereiro de 1922 era filho do médico  Álvaro Madureira de Pinho.

Desde a infância, ouviu seu pai falar, com saudade, da Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus. Por ela se encantou e nela desejou estudar. Aos 16 anos de idade veio  para a Bahia, cheio de esperança em realizar o sonho.

Em 1940 ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia. Era um líder nato, que congregava em torno de si, grande número de estudantes, diplomou-se em 1945.

 Em 1955, após memorável concurso, conquistou a Livre Docência da Clínica Psiquiátrica, e, em 1958, conquistou mais um brilhante concurso de títulos e provas, a cátedra de Psiquiatria.

No Conselho Regional de Medicina da Bahia desenvolveu, entre   1959 a 1964, um trabalho expressivo, sendo eleito seu Presidente. Em 1960 foi eleito para a presidência da Associação Baiana de Medicina.

O professor Rubim teve atuação marcante no Conselho Penitenciário do Estado da Bahia. Em 1993 recebeu o título de Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Bahia.

Publicou cerca de setenta trabalhos, de grande importância médica e literária. Seus estudos sobre o sincretismo religioso são de grande profundidade, sobretudo os referentes à “possessão”, à crença no “mau olhado”, o “banzo” e a “caruara”.

Em 1994, durante as comemorações da “Semana do Médico”, Álvaro Rubim de Pinho, já debilitado, compareceu, pela última vez à sua Faculdade, quando proferiu belíssima conferência.

Ele faleceu  poucos dias depois.

Meu antecessor imediato foi o Dr .Luis Meira Lessa, médico, professor e pesquisador ,tomou posse nesta academia em 1995.

Nasceu na cidade de Caetité em 1940 e foi aluno da Faculdade de Medicina da UFBa, graduando-se em 1964. Já no terceiro ano, em 1961, mostrou grande interesse pela pesquisa, ao apresentar o trabalho “aspectos hematológicos do sagui”.

Em 1966 ingressou como docente na  Faculdade de Medicina da UFBa., e,  em 1968 fez especialização em Psicofarmacologia em Montreal.

O professor Meira Lessa publicou 38 trabalhos, e foi autor de  cinco capítulos no livro de Farmacologia do professor Penildon Silva.

Foi assessor ad hoc do CNPq, e, em 1975 fez concurso para professor Assistente de Psiquiatria. Atuou na graduação e na pós graduação.

É casado com a também professora Ines Celestino Meira Lessa.

Diante da biografia do Patrono e dos meus ilustres antecessores na Cadeira 17, terei uma grande responsabilidade em fazer jus à presença nesta Academia, sociedade da arte, cultura e ciência.                                       

Contribuirei em estudos relacionados á saúde da criança, particularmente, a saúde perinatal e a História da Pediatria. Continuarei seguindo Fernando Pessoa, que há muito vem norteando os meus passos, quando disse: “Põe tudo que és, no mínimo que fazes”.

Neste outono florido de vida, como costumo referir me a esta  fase, desde que completei 60 anos, procuro viver como disse  Mário Quintana em  Idade de Ser Feliz - “Existe somente uma idade para a gente ser feliz, em que é possível sonhar e fazer  planos: uma só idade para a gente se encantar com a vida e viver apaixonadamente, desfrutar tudo com toda intensidade:             esta idade tão fugaz na vida chama-se PRESENTE e tem a duração do instante que passa”.

A vida tem me dado grandes oportunidades, muitas alegrias, mas também adversidades, entretanto, o saldo positivo é bem maior, graças, sobretudo, à minha querida família - aqui presente, aos meus amigos, a profissão que escolhi, aos alunos com quem aprendo diariamente,  aos  pequenos pacientes, particularmente os recém nascidos.  Estes últimos, na sua fragilidade aparente, na luta corajosa pela vida, sempre me estimulam na busca do  conhecimento. Agradeço ainda ás crianças do Ambulatório de Infecções Congênitas, que apesar de toda adversidade que a vida lhes impõe,  muito têm me ensinado.

Agradeço ao professor Antonio Carlos Vieira Lopes, grande incentivador para o meu ingresso nesta Academia, e que está me recebendo neste momento tão significativo.

Quero fazer um agradecimento especial ao professor Nelson Barros, verdadeiro mestre, amigo, grande referência profissional e pessoal, um segundo pai que tive, sempre acreditando em mim e me estimulando a novos desafios.

Muito obrigado professor!

Agradeço muito aos meus pais, Heitor in memorian e Maria da Conceição que não pôde vir, mas tenho certeza de que está muito feliz por este momento, cujo apoio e incentivo foram essenciais a minha formação.

À Ruy, in memorian, Tatiana e Mariana, meu amor incondicional, meus maiores agradecimentos por esta caminhada, sobretudo, pela compreensão das minhas ausências.

Agradeço a André que junto a Tatiana, me deram os netos amados, Bernardo e Fernanda. À meus irmãos Cesar, Luis Antonio, Paulo e Livia, cunhados, tios, primos e sobrinhos, a cada um dos amigos e colegas aqui presentes, o meu muito obrigada!

Lícia Maria Oliveira Moreira

Salvador, 19 de setembro de 2019.

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