Academia de Medicina da Bahia Scientia Nobilitat
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Washington Luís Conrado dos-Santos
Washington Luís Conrado dos-Santos
Membro Titular
27/06/2022
15:00
Discurso de Posse na Academia de Medicina da Bahia de Washington Luís Conrado dos Santos

Boa noite!

Excelentíssimo Prof. Dr. Antônio Carlos Vieira Lopes, Digníssimo Presidente da Academia de Medicina da Bahia;

Prof. Dr. Cézar Augusto Araújo Neto, Secretário geral da Academia de medicina da Bahia em nome do qual saúdo as ilustres confreiras e os ilustres confrades que compõem este sodalício.
Prof. Dr. Antônio Natalino Manta Dantas em nome de quem saúdo todos os membros eméritos desta Academia.
Profa. Dra. Marilda de Sousa Gonçalves, Ilustre Diretora do Instituto Gonçalo Moniz, Fiocruz-BA em nome da qual eu saúdo todos os colegas daquela instituição.
Prof. Dr. Luis Fernando Fernandes Adan, Ilustre Diretor da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia, em nome do qual eu saúdo todos os colegas daquela instituição.
Prof. Dr. Bernardo Galvão Castro Filho, através de quem eu saúdo todos os pesquisadores, com os quais tive oportunidade de convívio e de tomar como exemplos inspiradores, para a minha prática como pesquisador;
Prof. Dr. Luiz Antônio Rodrigues de Freitas através de quem eu saúdo todos os colegas com os quais aprendi e cujo exemplo nos desafia a uma prática médica conscienciosa;
Profa. Dra. Tânia Maria Lapa Godinho, a quem agradeço imensamente presença e o que ela representa nesta cerimônia
Prof. Dr. Victor Luis Correia Nunes, Chefe do Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFBA, em nome de quem saúdo, em especial, os meus colegas de departamento;
Sra. Glauce de Andrade Oliveira, presidente da Igreja Batista Nazareth e Pr. Joel Zeferino, pastor da igreja em nome dos quais saúdo os membros dessa comunidade de Resistência, Luta e Fé;
Prof. Dr. Antônio Alberto Lopes, através de quem eu saúdo todos os meus professores, aqui presentes, exemplos inspiradores, para a minha prática como professor;
Prof. Dr. José Humberto Oliveira Campos, através de quem eu saúdo todos os meus alunos e alunas, constante incentivo a caminhar e a me fazer saber que os caminhos terão de ser sempre novos;
Profa. Dra. Vilma Sousa Santana, através de quem eu saúdo a minha pequena cidade de Valença.
Gostaria de dedicar à família do Prof. Dr. Almerio Machado, que hoje vive em nossas saudades e afetos, as palavras do Salmo 34, que dizem que O Eterno está perto dos que têm o coração abatido, ...ele ouve o seu choro e os livra de todas as suas angústias.[1]
Minhas Sras. e meus Srs. Para mim é uma honra e um privilégio, tornar-me membro da Academia de Medicina da Bahia. Agradeço a generosidade das confreiras e dos confrades, em ter-me elegido para ocupar a cadeira de número 43 deste sodalício. Isso constitui, para mim, também, uma responsabilidade abismal, pelas razões que ficarão claras às Sras. e aos Srs., quando eu vos falar sobre o patrono dessa cadeira e do ocupante que me precede.

No dia 8 de novembro de 1822, travou-se na Bahia, um importante combate entre tropas brasileiras e portuguesas, pela independência do Brasil. A cidade de Salvador, sob domínio português, sofria o cerco por tropas brasileiras, entrincheiradas entre Itapuã e Armação, no Cabula e na região entre Campinas e Pirajá. Esse combate, sobre o qual vos falo, se deu em Pirajá, com uma vitória decisiva das tropas brasileiras[2]. O entusiasmo desta vitória é, ainda hoje, revivido no cortejo popular com o qual comemoramos o 2 de Julho.

José Ribeiro da Silva, um português, residente em Camamu, que como muitos outros portugueses, simpatizavam com a causa brasileira, resolveu, acrescentar Pirajá ao seu nome de família. Esse José Ribeiro da Silva Pirajá foi o avô materno de Manuel Augusto Pirajá da Silva, patrono da cadeira 43 desta Academia[3].

Manoel Augusto da Silva nasceu em Camamu, em 28 de janeiro de 1873, filho de Maria Veridiana da Silva Pirajá e Eduardo Augusto da Silva.  Manuel Augusto graduou-se medicina em 1896 com a tese “Contribuição para o estudo de uma moléstia que ultimamente aqui tem reinado com os caracteres da meningite cérebro-espinhal epidêmica”. Foi ao ingressar na faculdade, que talvez movido pelo mesmo entusiasmo que moveu seu avô, recuperou o sobrenome materno, Pirajá, para o seu próprio nome, passando a chamar-se Manoel Augusto Pirajá da Silva.

Terminada a graduação, Pirajá da Silva estabeleceu consultório em Amargosa, onde seu pai fora juiz de direito. Em Amargosa, permaneceu por dois anos. Lá também se casou, com sua prima Elisa da Silva Rocha, seu amor desde a juventude. Possivelmente, em decorrência das dificuldades inerentes à manutenção de um consultório em uma pequena cidade e atraído pelas perspectivas que se descortinavam na Amazônia, com o ciclo da borracha, transferiu-se para Manaus, onde permaneceu por apenas três meses e, com expectativas frustradas, retornou à Bahia. Estabeleceu-se definitivamente em Salvador, onde em 1902, foi nomeado assistente da 1ª cadeira de Clínica Médica, regida pelo Prof. Anísio Circundes de Carvalho.

Estávamos no alvorecer da medicina investigativa no Brasil. Não havia se passado ainda quatro décadas, médicos brasileiros e estrangeiros radicados em Salvador, constituíram um grupo de estudos que deu origem à, posteriormente denominada, Escola Tropicalista da Bahia[4]. Desse grupo emergiram importantes contribuições para o entendimento da gênese de doenças no Brasil. Com estudos fundamentados na anatomia patológica e na emergente teoria infecciosa, começaram a romper com concepções baseadas em miasmas, dominantes até então. Pirajá da Silva não permaneceu alheio às demandas de conhecimento da medicina brasileira. Começou, então, a dividir suas atividades entre a enfermaria e o laboratório de análises do Hospital Santa Izabel. Entre a observação clínica e a microscópica.

Em uma série de publicações entre 1908 e 1919, Pirajá da Silva reuniu várias das peças do quebra-cabeça que encaixavam a Bahia e o Brasil, no quadro da distribuição das enfermidades no mundo, da era pós-pasteuriana.

Identificou o Treponema pálido, em lesões dermatológicas, publicando em 1908, apenas três anos após a associação desse patógeno com a sífilis. Em 1911, demonstrou a existência, em Mata de São João, de um dos triatomíneos envolvido na transmissão da doença de Chagas e o próprio Trypanosoma cruzi, no ano seguinte. Em 1912, relatou o encontro de amebas causadoras de disenteria na Bahia, descreveu casos de miíase tegumentar e identificou uma Leishmania (provavelmente L. braziliensis) como causadora de lesões cutâneas e mucosas em Salvador. Em 1918, reportou o encontro, no bairro de Brotas, um flebotomíneo, potencial transmissor da Leishmania. Descreveu casos de infecções fúngicas, como paracoccidiodomicose em Camamu e maduromicoses em Catú, ambas em 1919. Essas contribuições foram muito importantes, mas foi em um embate maior, que Pirajá da Silva revelou em si, a melhor combinação de médico e cientista.

Enquanto falava de patógenos conhecidos, as peças de quebra-cabeça reunidas por Pirajá da Silva foram recebidas e alocadas, pela comunidade científica, sem resistências. O mesmo não aconteceu quando quis estabelecer a existência de uma nova espécie de Schistosoma, o Schistosoma mansoni, e associar esse patógeno a uma nova doença, com manifestações intestinais e hepáticas em lugar de manifestações urinárias. Essa descoberta resolveria uma importante controvérsia científica, que dividia as principais escolas de infectologistas do mundo.

A existência de uma nova espécie de Schistosoma, havia sido prevista por Patrick Manson, em 1902, durante a observação de um paciente da América Central. Esse paciente tinha nas fezes, ovos de helmintos, que eram elípticos, com espículas laterais. Ovos com essas características eram, por vezes, encontrados nas fezes de pacientes infectados com Schistosoma hematobium, um helminto que infecta o trato urinário, causando hematúria, e cujos ovos também eram elípticos, porém com espículas apicais. No Norte da África, onde a infecção pelo Schistosoma hematobium era endêmica, o encontro de ovos com espículas laterais nas fezes dos pacientes era interpretado como de ovos anômalos de Schistosoma hematobium em migração errática. Contudo, o paciente da América Central examinado por Manson, não apresentava alterações urinárias e jamais estivera no Norte da África ou outra qualquer região endêmica para Schistosoma hematobium. Isso levou Manson a cogitar a existência de um novo helminto. Essa hipótese dividiu a comunidade cientifica em dois grupos, um que acreditava e outro que não acreditava na existência de uma nova espécie de Schistosoma. A controvérsia, porém, não impediu que Louis Westenra Sambon, um pesquisador inglês, propusesse em 1907, a denominação Schisdtosoma mansoni, para essa nova espécie. Tínhamos agora um nome, a espera de um patógeno. Coube a Manoel Augusto Pirajá da Silva dar materialidade ao patógeno definido a priori, como Schistosoma mansoni.  

Desde 1904, Pirajá da Silva havia observado, de maneira esporádica, ovos com espículas laterais, nas fezes de alguns de seus pacientes. Em 1908, porém, resolveu examinar esse achado de maneira sistemática. Seus pacientes, como o paciente de Manson, não tinham manifestações urinárias, nem ovos de helmintos na urina ou estiveram em regiões onde existia o Schistoloma hematobium. Restava, então, encontrar o novo parasito e individualizá-lo em relação a Schistosoma hematobium. Pirajá da Silva fez isso através do estudo de mais de 100 autópsias e experimentos parasitológicos. Nesses estudos, ele identificou o parasito em seu habitat, nos vasos mesentéricos e sistema porta, caracterizou, morfologicamente e morfometricamente, fêmeas e machos do parasito, pondo em evidência aspectos distintivos da fisiologia desses vermes. Contribuiu para o entendimento de aspectos relevantes do ciclo evolutivo do Schistosoma mansoni, com informações sobre o modelo de eclosão do ovo do helminto e, mais tarde, descreveu a cercaria, um estágio intermediário da vida do Schistosoma mansoni, a qual denominou Cercaria blanchardi, em homenagem a seu muito caro professor Raphael Blanchard, da Faculdade de Medicina de Paris, que lhe hipotecara apoio e incentivo na carreira científica.

No começo da fábula O Pequeno Príncipe[5], o poeta e pioneiro da aviação comercial Antoine de Saint-Exupéry, conta a história de um astrônomo turco, que teria apresentado a sua descoberta de um importante asteroide em um Congresso Internacional de Astronomia. Ninguém, porém, lhe dera crédito, por causa dos trajes tradicionais do seu país, os quais ele estava usando. Eu lembrei-me desse singelo libero contra os preconceitos, ao contemplar as dificuldades encontradas por Pirajá da Silva, ao apresentar suas descobertas sobre o Schistosoma mansoni. Isso, em grande parte, por ser um pesquisador oriundo de um país novo, que não tinha ainda firmada uma tradição de pesquisa.

Pirajá da Silva encontrou forte resistência dos pesquisadores europeus que lidavam com a questão da existência do Schistosoma mansoni, ao reportar seus achados, à comunidade científica. Apesar de não possuir uma educação formal em pesquisa, Pirajá da Silva soube lidar com essas resistências com resiliência, confiança e sabedoria. Garantiu a primazia dos seus achados, em publicações feitas no Brasil ao tempo em que ampliou a discussão e escrutínio dos seus dados por diferentes grupos de parasitologistas na Inglaterra, França, Egito e Alemanha. Percebeu que, muitas vezes, a apreensão de uma nova concepção científica requer afastar-se alguns passos e um olhar mais global. Este movimento necessário, ele expressa em um, quase, desabafo perante a Sociedade Alemã de Medicina Tropical:

Meus Senhores! Não sou zoólogo, nem tenho decênios de trato exclusivo com helmintos; sou médico e apenas me baseei na minha experiência. Bem podia ter-se dado interpretação errônea da imagem microscópica. Todavia, a despeito da autoridade de (Dr.) Looss, de modo algum posso convencer de que tal coisa haja acontecido.

... Em todo caso, para nós médicos, trata-se menos de uma questão zoológica que médica. O fato é que a bilharziose (a esquistossomose) na Bahia é clinicamente diversa da produzida pelo Schistosoma hematobium no Egito3.

No fim do primeiro semestre de 1909 não havia mais dúvidas de que Manoel Augusto Pirajá da Silva, havia dado um patógeno ao epíteto taxonômico S. mansoni. Seu reconhecimento como descobridor do novo parasito, foi magnificamente expresso na correspondência a ele enviada por Patrick Manson, “Felicito-o ...pois acredito que o grande número de observações que reuniu dissipa qualquer dúvida que pudesse ter havido sobre a especificidade do Schistosomum americanum.”

Após essas descobertas e reconhecimento internacional, Pirajá passou, em maio de 1911, a ocupar a cátedra de História Natural Médica da Faculdade de Medicina da Bahia (primeira cadeira de parasitologia) e de História Natural, no Ginásio Baiano. Foi nomeado inspetor sanitário rural, função na qual organizou centros de assistência e combate às doenças venéreas. Ao aposentar-se em 1935 aliou interesses familiares, culturais e profissionais contribuindo para edições de obras de interesse geográfico e histórico como Através da Bahia de Von Spix e Von Martius[6] e          a Memoria histórica sobre as vitorias alcançadas pelos Itaparicanos no decurso da campanha da Bahia, quando o Brasil proclamou a independência, por Bernardino Nobrega.

Pirajá da Silva nos deixou em 1961. Sua marcante contribuição foi reconhecida através de vários prêmios e honrarias recebidas de comunidades acadêmicas e científicas, e mesmo do público geral. Recebeu a medalha Bernhard Nocht, do Instituto de Medicina Tropical de Hamburgo, em 1954, a grã-cruz da Ordem do Mérito Médico do governo brasileiro em 1956. Em 1953 os alunos da nascente Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública, aqui representada pela ilustre Profa. Dra. Maria Luiza Soliani, deram o nome de Pirajá da Silva ao seu Diretório Acadêmico[7] e em 1963 os alunos da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu também deram o nome de Pirajá da Silva ao seu Centro Acadêmico[8].  Em 1958, um selo postal trazia a esfinge de Pirajá. Seu nome vem ainda sendo imortalizado em nomes de ruas em Camamu, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, e esta Academia o tornou patrono da sua cadeira de número 43.

“A saúde é um processo que tem determinantes sociais e econômicas. Claro que tem questões biológicas, mas o fundamento de se estudar como um processo coletivo são as questões sociais e econômicas.”

Essas são palavras de Sebastiao Antônio Loureiro de Souza e Silva, último ocupante da cadeira de No. 43 da Academia de Medicina da Bahia.  É a partir dessa concepção de que saúde e doença tomam forma de acordo com a interferência social e econômica sobre determinantes biológicas, que Sebastião Loureiro fez marcante contribuição para avanços nas condições de saúde no Brasil e estendeu sua influência a outros países da América Latina e do mundo. Tião, como era carinhosamente chamado pelos colegas, era integrante da primeira geração de sanitaristas da Reforma Sanitária do Brasil e um dos pioneiros do campo da Saúde Coletiva.

Nasceu em 20 de janeiro de 1938, na cidade de Mascote, no sul da Bahia, filho de Augusto de Souza e Silva e Adimeia Loureiro de Souza e Silva. Era casado com Tânia Maria Lapa Godinho, advogada, e tinha três filhos Cláudio Augusto de Souza e Silva, Clarisse Loureiro Sousa, e Daniel Loureiro de Souza.

Graduou-se em medicina pela FMB, em 1964, fez especialização em Medicina Preventiva na USP, em 1966, mestrado em Saúde pública tropical, pela Universidade de Londres, em 1968 e doutorado em Epidemiologia no Sistema de Universidades do Texas, em 1978. Sebastião Loureiro foi Prof. Adjunto de Medicina preventiva e decano do Centro de Formação em Ciências da Saúde da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

O nome de Sebastião Loureiro está ligado a todas as iniciativas que tornaram a Universidade Federal da Bahia um dos principais centros de formação em saúde pública no Brasil.  Foi um dos criadores do Departamento de Medicina Preventiva, empenhou-se na criação do Núcleo Baiano do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), foi um dos proponentes do Instituto de Saúde Coletiva, em 1978. Foi um dos criadores do Programa de Estudos Epidemiológicos e Sociais (PEES) e do Programa de Doutorado em Saúde Pública da UFBA.

Para além dos muros da universidade, Sebastião Loureiro foi presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), justamente no período em que se deu a 8ª Conferência Nacional de Saúde em 1986.  A 8ª Conferência Nacional de Saúde foi marco na história da Saúde Pública no Brasil na qual foram definidas as bases para a constituição do Sistema Único de Saúde, uma das maiores conquistas do povo brasileiro, cuja preservação e implantação plena ainda requer todo nosso empenho.  A liderança e militância de Sebastião Loureiro foi fundamental para a incorporação do direito universal à saúde na Constituição Federal de 1988[9].

No cenário internacional, foi presidente da Associação Latino-Americana de Medicina Social e Saúde Coletiva (Alames) e da Associação Internacional de Política de Saúde (IAHP) estendendo a influência da sua concepção de modelos de gestão da saúde mais justos e inclusivos, também a outros países.

A ideia de Saúde Coletiva permeia a produção científica de Sebastião Loureiro desde seu início. Em seu trabalho de tese de doutorado Schistosomiasis in Children[10], ele estuda a relação entre prevalência, intensidade da infecção e morbidade na esquistossomose mansônica, e padrões comportamentais da exposição a água em crianças [11]. A título de exemplo, eu gostaria de realçar a abordagem dada por ele aos determinantes da esquistossomose mansônica no Brasil.  Em um trabalho intitulado   A questão do social na epidemiologia e controle da esquistossomose mansônica[12], publicado em 1989, nas Memorias do Instituto Oswaldo Cruz,  Sebastião Loureiro usa a seguinte sistemática de análise da questão: ele traz à luz os processos históricos que possibilitaram a transferência da esquistossomose da África para o Brasil, define os processos estruturais que condicionaram sua endemização e determinam a sua distribuição desigual em diferentes grupos sociais e analisa os processos políticos da participação social na definição das prioridades dos programas de controle da doença.

Outra característica de Sebastião Loureiro, era sua capacidade de olhar para além, enquanto caminhava com o seu tempo. Em um dos seus projetos, intitulado As diferentes faces da desigualdade em saúde[13]: iniquidade, discriminação e exclusão. Ele se propunha a examinar as relações entre a condição econômica, de gênero e étnico-racial na produção dos processos de desigualdade, tanto na condição de saúde como nas trajetórias de busca e desencontros nas tentativas de sua recuperação.  Hoje apenas começamos a reconhecer a importância a questões relativas a gênero e etnia nas nossas abordagens de pesquisa. Mas esses temas não haviam merecido ainda a atenção devida em 2004, quando esse projeto foi proposto.

Quando chegavam os primeiros anúncios, em 2020, da catástrofe que se iniciava na China com a emergência da COVID-19, Sebastião Loureiro foi o primeiro a convocar o Instituto de Saúde Coletiva a elaborar proposições e estratégias de enfrentamento da pandemia[14].

Seu trabalho foi amplamente reconhecido pelos seus pares e através de vários títulos institucionais que recebeu: Professor emérito da UFBA (1995), Diploma de Honra ao Mérito pelos serviços prestados à saúde pública e ao desenvolvimento da ciência (2008), pela Assembleia Legislativa da Bahia; Medalha Oswaldo Cruz (2009), principal honraria do país a personalidades da área de saúde pública; e o Diploma de Mérito Ético Profissional ao Médico, dos conselhos Regional e Federal de Medicina.

Sebastião Loureiro tomou posse como Membro titular da Academia de Medicina da Bahia em 28 de julho 2016. Esta Academia teve o privilégio de fruir por pouco mais de 4 anos da sua companhia, recorrentemente descrita como gentil, generosa, inteligente e criativa.

Caso Plutarco, o escritor grego, tivesse tido a oportunidade de incluir o patrono, Manoel Augusto Pirajá da Silva e Sebastiao Antônio Loureiro de Souza e Silva, em suas vidas paralelas[15], não teria tido dificuldades em encontrar semelhanças entre eles. Ambos foram médicos, professores e cientistas, ambos trabalharam com a esquistossomose (uma importante endemia), ambos concebiam doença como fruto de acidentes biológicos e contextos geográficos: da geografia física (história natural) para Pirajá da Silva e da geografia humana (demográfica e social) para Sebastião Loureiro. Ambos, por suas contribuições, são continuamente admitidos na imortalidade, à medida que as gerações passam e ao contemplá-los, são transfiguradas por eles[16].

Agora minhas Sras. e meus Srs., meus confrades e minhas confreiras, podem entender quando falo da responsabilidade abismal e da vertigem que sinto ao ocupar a cadeira de No. 43 desta Academia. As músicas que escolhi para minha posse: Simple gifts[17] e Pão da igualdade[18] têm inspirado cânticos contra intolerâncias religiosa e de gênero e contra iníquas desigualdades sociais. Males que são endêmicos em nosso País, com imenso custo para a saúde e bem-estar das pessoas. A última música, Estou pronto[19], é um cântico de compromisso e coragem. Espero que inspirado por esses cânticos, pelo legado de Pirajá da Silva, Sebastião Loureiro e pelo convívio das confreiras e dos confrades, possa contribuir com esta Academia em seu olhar sobre a saúde do povo da Bahia.

Eu gostaria de, já no fim deste discurso, agradecer às pessoas contribuíram para que meu nome fosse considerado por esse honrado sodalício. Infelizmente não poderei nominá-los, sem cometer graves injustiças. Dito de outra maneira, constitui uma benção para mim, ter encontrado apoio em tantas pessoas, a ponto de não ser capaz de nominá-las todas. Gostaria, entretanto de mencionar o esforço e cuidado representados pelos meus pais na figura de minha mãe Ester Mendes Conrado dos Santos aqui presente e Pedro Sarmento dos Santos (in memoriam), o companheirismo e fraternidade, representados em meus irmãos Marcia Cristina Conrado dos Santos e Pedro Sarmento dos Santos Jr., o amor e dedicação representados em minha esposa Nadia de Andrade Khouri, a felicidade e esperança representadas em meus filhos João-Conrado, Raquel e Izabela, a amizade representada em Geraldo Gileno de Sá Oliveira e Jairo Paixão. Todos esses atributos encontro em todos esses amigos aos quais não pude mencionar e aos quais gostaria de irradiar meu agradecimento. Não queria que restassem dúvidas de que a presença de vocês é endêmica e recorrente no meu coração.

Eu gostaria de finalizar este discurso com outra frase de Sebastião Loureiro. Ele dizia que “Devemos buscar novas formas de pensar, de trabalhar e de amar”. Eu acho essa frase importante vinda de um acadêmico daquela estatura, porque nas melhores definições filosóficas ou religiosas, Deus é Amor[20].

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